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INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – CONTRATO DE EMPRÉSTIMO FIRMADO COM PESSOA ANALFABETA – NULIDADE.

Instituições financeiras, na maioria de pequeno porte, têm como atividade principal, registre-se, bastante lucrativa, emprestar dinheiro a pessoas idosas aposentadas, com a segurança do desconto em folha de pagamento, sendo que algumas operações, quando negociam com pessoas analfabetas, o contrato de adesão é formalizado com a simples aposição da digital.

É elementar a ciência que contratos firmados com pessoas analfabetas deverão ser firmados em cartório ou através de procurador legitimado com procuração pública, com poderes para tal fim, caso contrário, a avença é nula, por afrontar disposição de lei (art. 104, III, c/c art. 166, ambos do CC).

Sobre a matéria colhe-se trechos da decisão proferida pelo Juiz de Direito MARCOS ANTONIO MOURA MENDES, da comarca de Fronteiras-Pi., verbis:

“Aliás, verifica-se que a ânsia das instituições financeiras para emprestar para idosos aposentados e pensionistas do INSS é alarmante, fazendo com que contratem pessoas que não entendem nada de banco e de contrato bancário para efetuarem empréstimos a analfabetos nos mais longínquos recantos de nosso país, caso dos autos, em que a contratação não se deu em ambiente bancário”.

Na fundamentação doutrinária a sentença, rica de elogiável conteúdo jurídico, transcreve lição do jurista WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO:

“Refere-se a lei nesse dispositivo, ao instrumento particular feito e assinado, ou somente assinado. Não têm valor jurídico as escrituras particulares assinadas a rogo. A assinatura não pode ser substituída pelo simples lançamento da impressão digital. O analfabeto, ou quem se encontre em situação de não poder assinar o nome, só por escritura pública, ou por instrumento de procurador bastante, pode contrair obrigação (…)”

Em sede de jurisprudência, apega-se o julgador referenciado a julgados do Tribunal de Justiça do Piauí, matéria recursal da relatoria dos Desembargadores EDVALDO PEREIRA DE MOURA e LUIZ GONZAGA BRANDÃO DE CARVALHO, a seguir transcritas:

“APELAÇÃO. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DESCONTOS EM BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS POR SUPOSTO CONTRATO DE MÚTUO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. ALEGAÇÃO DE CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIRO. NÃO CABIMENTO. RESPONSABILIDADE DIRETA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA POR PROMOTORES DE SEUS SERVIÇOS DE EMPRÉSTIMOS (‘PASTINHAS’). INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INVERSÃO OPE LEGIS E OPE JUDICIS. RESPONSABILIDADE POR SERVIÇO DEFEITUOSO. AUSÊNCIA DE EXCLUDENTES. EMPRÉSTIMO CAPTURADO DIRETAMENTE DA APOSENTADORIA DO IDOSO. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E MÍNIMO EXISTENCIAL. SENTENÇA QUE DECLAROU A RESPONSABILIDADE MANTIDA.

1. Os interesses financeiros pelo lucro a qualquer custo humano como característica da sociedade do consumo não podem legitimar a exploração cruel do mais fraco pelo mais forte.

2. E sabido que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se às instituições financeiras quando o dito consumidor se tratar de destinatário final. Aplicando-se, destarte, a responsabilidade objetiva.

3. O caso cuida de aposentada, idosa e analfabeta, onde não há qualquer prova capaz de tomar o instrumento contratual idôneo.

4. A inversão ope judicis é facultativa. Aplicada pelo juiz a quo no caso dos autos, diante da comprovada hipossuficiência da consumidora. Caberia ao banco provar que os fatos não aconteceram conforme o narrado e comprovado.

4. O banco apelante contratou empresa no Estado do Piauí a fim de operacionalizar seus serviços. Por sua vez, essa empresa contratou promotores (os “pastinhas”), a fim de venderem os serviços bancários, incluso empréstimo com desconto direto nos proventos de aposentado. Alega o banco culpa exclusiva de terceiros (dos promotores), responsáveis pela fraude.

5. A responsabilidade do banco, evidentemente, estende-se àqueles que promovem seus produtos. O abuso, o desrespeito e o descaso de instituições financeiras para com idosos que vivem em penúria no interior do Nordeste devem ser severamente reprimidos pelo Estado como um todo.

6. Em questão, a dignidade do ser humano e o direito a uma existência minimamente digna, no caso, garantida pela aposentadoria da lesada.

7. Os autos apontam que sequer a idosa recebera a quantia supostamente contratada. Inversão ope legis, legal e independente da vontade do juiz. Prestação de serviço defeituoso.

8. Aplicabilidade de mais de um sistema protetivo da pessoa vulnerável: Código de Defesa do Consumidor e Estatuto do Idoso.

9. Apelo ao qual se nega provimento. Sentença mantida pela responsabilidade pelos danos morais e pela repetição do indébito em dobro.

(Apelação 2012.0001.005180-0 – LUIZ CORREIA. RelatorDes.EDVALDO PEREIRA DE MOURA,in. DJ 13/05/2013, p.10(g.n.).

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA – APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – CONSUMIDOR IDOSO E ANALFABETO, FRAQUEZA PATENTE EM CONTRAIR EMPRÉSTIMO – RESPONSABILIDADE DO BANCO -CONTRAIU EMPRÉSTIMO – DESCONSTO INDEVIDO – RESTITUIÇÃO EM DOBRO, PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 42 DO CDC – INCUMBE À PARTE RÉ O ÔNUS DE DESCONSTITUIR OBRIGAÇÃO QUE LHE É DEVIDA – ART. 333, H do CPC- SENTENÇA MANTIDA. 1. “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (Súmula 297, do STJ). 2. A instituição financeira que firmou contrato de empréstimo com pessoa sendo analfabeto não poderia ter assinado o contrato, nem ao menos ter ciência das cláusulas constantes nele, por já ser pessoa de idade avançada, 64(sessenta e quatro) anos e analfabeta, não deixando qualquer dúvida quanto sua fraqueza e/ou ignorância para impingir-lhe aludido serviço, conforme dispõe o arL 39, inciso IV do CDC. 3. Desconto indevido de numerário do í»nsumidor, devendo haver a restituição em dobro, aplicação do disposto no parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. 4. Conforme precedentes dos nossos Tribunais Superiores e demaisTribunais Pátrios, bem como aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor (art 3o, §2°, e art. 6o inc. VIU), utilizando-se da inversão do ônus da prova a instituição financeira deverá proceder a juntada de todos os documentos relacionados à contratação, art. 333, II do CPC. Decisão uriânime.Apelação Cível 2012.0001.006438-7, 2a Câmara Especializada Cível, Relator Des. LUIZ GONZAGA BRANDÃO DE CARVALHO, Carvalho, recurso julgado em 27.2.2013).

Há alguns dias, parte das pequenas instituições financeiras, especializadas em firmar contratos de empréstimos com idosos aposentados pelo INSS, na maioria analfabetos ou que apenas assinam o nome com dificuldade, contrariados nos seus interesses argentários, desferiram dardos venenosos contra a classe dos advogados, acusando-a de compor “quadrilhas”, por atacarem a validade dos contratos firmados com pessoas incautas, como no caso da decisão do Juiz MARCOS ANTÔNIO MOURA MENDES.

A irresignação dos pequenos banqueiros foi publicada na mídia e na ocasião a coluna denunciou a agressão injusta e leviana feita genericamente contra a classe dos advogados, desafiando que os agressores denunciassem nominalmente quem seriam os “advogados quadrilheiros”, de modo comprovado. Solicitou, sem resposta, posicionamento da OAB/PI.

Mas a sentença do Juiz de Direito referenciado, respaldada em decisões de Colegiados do Tribunal de Justiça do Piauí, de relatoria dos Desembargadores EDVALDO PEREIRA DE MOURA e LUIZ GONZAGA BRANDÃO DE CARVALHO, tem o condão de sinalizar onde está a quabrilha.