CUMUNIRMO
Vitor de Athayde Couto
No auditório de uma dessas IES rolava mais um desses cursos de especialização. Pra variar, era sobre desenvolvimento de alguma coisa. Curioso, entrei pra espiar e fiquei sentado na última fila. O palestrante do dia fazia o maior esforço, tentando apresentar os diversos conceitos, definições ou as infinitas ideias do senso comum que rondam o verbete desenvolvimento. De vez em quando fazia uma pausa e perguntava:
– Alguma dúvida? Algum comentário? – o silêncio era total.
Como os conceitos, em diferentes épocas, abrangem diversos autores, e requerem um mínimo de leitura, a turma permanecia muda. Ninguém comentava nada. Nem mesmo uma simples perguntinha, apesar de todo mundo ali já ser formado na área de Ciências Sociais Aplicadas. Afinal, especialização é “pós”, conforme se lê nos outdoors de propaganda, sempre que as uniqualquercoisa abrem “novas turmas” e vendem um corpo docente “altamente especializado”. Fico me perguntando o que significa “altamente”…
Mais uma pausa:
– Alguma dúvida? Algum comentário? Angústias…? (mais silêncio)
Era evidente o esforço do palestrante tentando valorizar qualquer intervenção, qualquer perguntinha, por mais simples que fosse. Mas foi justamente quando ele estava quebrando a cabeça para tentar definir desenvolvimento adjetivado (econômico, social, socioeconômico, sustentável, humano, tecnológico, ambiental, etc.) que surgiu a valiosa primeira pergunta de um estudante que se apresentou como Dyjalnneydisson:
– Professor, a Rússia é um país comunista?
O palestrante respirou fundo, contou até enquanto pôde e pensou: vou ter que tratar esta pergunta com o maior carinho. Só tem tu… pensou. Fiquei torcendo para ele não repetir o velho chavão, muito usado nessas situações de mudez coletiva: “a sua pergunta é muito importante, etc.” Respirou outra vez, mais fundo, e, depois de apelar para algum Anjo da Guarda ou qualquer outra energia cósmica da sua crença, respondeu:
– Não, Dyjalnneydisson. A Rússia não é um país comunista. É uma economia de mercado, com base na propriedade privada. Como existem setores estratégicos sob domínio estatal, semelhante ao Brasil, França e Alemanha, por exemplo, pode-se considerar o modelo russo como um capitalismo monopolista de Estado. O governo é muito conservador e tem a Igreja Ortodoxa Russa como importante aliado. Resumindo, a Rússia passa bem longe do que a Ciência Política define como país comunista.
Em seguida olhou para Dyjalnneydisson, na expectativa de saber se a sua resposta foi satisfatória. Mas àquela altura Dyjalnneydisson estava conversando animadamente com duas colegas do lado. O palestrante, educadamente, observou:
– Dyjalnneydisson, você fez uma pergunta. Gostaria de saber se a minha resposta foi satisfatória, mas vejo que você não para de conversar.
Imediatamente Dyjalnneydisson deu aquela resposta clássica, típica dos universitários brasileiros:
– Estamos falando é sobre o assunto da aula, professor.
– Ah… tá…
Eis que, para minha surpresa, outro pós-graduando perguntou:
– Professor!
– Sim…?
– O que é cumunirmo?
Respirou… respirou… contou até o limite suportável, e, gentilmente, respondeu:
– Cumunirmo, eu não sei. Mas vou contar um causo que ouvi diretamente do Luiz Gonzaga, num show que ele deu na concha acústica da cidade de…
– Luiz Gonzaga? Quem é esse autor? – perguntou Jennyffer Pammella Allecssandra.
– Ah… disse o palestrante – é só um sanfonêro.
– Ah… tá…
– Então… Luiz Gonzaga estava passeando na feira de Caruaru quando reparou que, ao longe, vinha vindo uma velhinha com a sua bisneta de uns oito anos. Elas dirigiam-se à feira, e vinham caminhando ao lado da cerca do estacionamento dos jumentos…
Silêncio absoluto da turma, atenção total, como eu nunca tinha visto na vida. O palestrante prosseguiu:
– Dêrrêpente… Sim, foi dêrrêpente…
– ???
– Dêrrêpente começou a maior ventania! Lonas de barracas saíram voando, a poeira subiu. O vento era tão forte que levantou até saia comprida de crente e derrubou a cerca do estacionamento. Um jumento alterado, por nome Moacyr, estava de olho numa jumenta novinha, no cio, que vinha caminhando contra o vento. Aproveitando a cerca caída, saiu em disparada na sua direção. Quando Moacyr montou na jumenta, a bisnetinha, protegendo os olhos com o cotovelo, perguntou:
– Vovó, o que é aquilo?
A velhinha, tapando totalmente a visão da bisneta, bem ligeiro, respondeu:
– Não olhe não, Pryscylla. Aquilo é o cumunirmo!
E se benzeu.
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