DEPOIMENTO SOBRE CANINDÉ CORREIA

ALCENOR CANDEIRA FILHO

Com o falecimento de Francisco Canindé Correia em 24-01-2020, aos 76 anos de idade, perdi um dos maiores amigos que tive e um dos homens mais íntegros e coerentes que conheci em toda a vida. Era tido pelos intelectuais do Inovação como um verdadeiro guru.  Falava menos do que ouvia. Jamais tergiversava ao emitir opinião.

 

Filho do professor Benedicto Jonas Correia e Berenice Correia, nasceu em Parnaíba em 1944.

 

Na infância e na adolescência não tive convivência com  Canindé apesar de morarmos em Parnaíba.

 

Tornei-me seu amigo no Rio de Janeiro, onde ele fazia o curso de ciências econômicas e eu o de direito e chegamos a fazer  com outros parnaibanos algumas edições do  jornaleco mimeografado O Liguinha, considerado o primeiro jornal marginal do Piauí e que viria a ser o tema da monografia de conclusão de curso de Licenciatura Plena em História, apresentada pela professora Camila da Silva Miranda à Universidade Estadual  do Piauí, sob a orientação do professor M.s Idelmar Gomes Cavalcante Júnior, com o título “Por uma Questão  de (Des): a Emergência da Imprensa Alternativa no Piauí a Partir do Jornal O Linguinha”.  O jornaleco fundado em Parnaíba em fins de 1971 estampava como epígrafe esta quadrinha de minha autoria:

 

                          O Linguinha é um jornal

                         que talvez não valha nada,

                         mas em tudo que vai mal,

                         quando pode, dá porrada.

 

O gosto pelo jornalismo alternativo levou-o a escrever para o  jornal A Libertação, fundado em Parnaíba em 1977 por Francisco José Ribeiro e Reginaldo Costa, que durante as comemorações do 7º aniversário da fundação do jornal declarou:

 

                                “Num plano mais amplo, direcionamos nossos

                       olhos para o povo, para os marginalizados que

                       vegetam na periferia da cidade, apesar de pagarem

                       impostos de toda natureza. A visão dessa situação

                       nos estimulou a editar um jornal mimeografado,

                       desvinculado de qualquer força que viesse a nos

                       amordaçar. Hoje, por uma feliz coincidência,

                       Inovação entra no 8º ano de existência, de luta

                       Ininterrupta. Em nome do grupo Inovação gostaria

                       de homenagear aqueles que se empenharam, no

                       início, para que ideia frutificasse. Destacaria

                       Canindé Correia, Ednólia Fontenele, Olavo Rebelo,

                       Ana  Alice, Airton Meneses, Franzé Ribeiro, entre

                       outros.”

Durante os dez anos de existência o Inovação, o mais importante e o mais duradouro jornal alternativo do Piauí, cumpriu corajosamente a sua destinação denunciando mazelas e falcatruas administrativas na cidade de Parnaíba, além de divulgar a poesia, a música e o teatro da terra e colocar-se permanentemente ao lado dos fracos e oprimidos.

 

Segundo o poeta Elmar Carvalho, que teve ativa atuação no Movimento Social e Cultural Inovação,  “se alguém algum dia escrever um ensaio isento e imparcial sobre a cultura parnaibana não poderá olvidar, jamais, o jornal Inovação.

 

Inovação é atualmente para algumas pessoas de Parnaíba um jornal maldito. E incômodo,  muito incômodo. Mas vale ressalvar que não obstante isso, ou exatamente por isso, é mais vendável e discutido que a ‘grande’ imprensa de Parnaíba. Creio  que em virtude de  sua independência, de sua coerência para com a verdade, e de sua não omissão diante de fatos injustos e nocivos à comunidade” (Jornal da Manhã Teresina, edição de 28.08.1983).

 

Por sua vinculação com o Inovação e posições políticas de  esquerda, Canindé era  taxado por alguns desafetos de comunista, o que não corresponde à verdade. Socialista e terceiro-mundista convicto sim; comunista, nunca.

 

As principais funções que exerceu foram: superintendente do SESI-PI e secretário municipal  de educação na primeira administração de José Hamilton Castelo Branco (1993-1996).

 

No período em que foi secretário de  educação foram muitas as  realizações, destacando a construção do CAIC-Escola Municipal Professora Albertina Furtado Castelo Branco e a grande ampliação da Escola Roland Jacob, justamente as duas maiores escolas da rede pública municipal.

 

Até hoje não conheci uma pessoa mais desprovida de ambições materiais e de vaidade do que  ele. Quando sondado para integrar a Academia Parnaibana de Letras agradeceu a lembrança, mas ponderou que não poderia concorrer porque não era autor de livro, argumento frágil se se considerar que poderia sanar o óbice com a reunião em livro dos principais textos que escreveu em jornais e dos pronunciamentos feitos como secretário de educação e superintendente do SESI. Outro exemplo: presenciei na minha residência Canindé recusar convite feito por José Hamilton Castelo Branco na sua terceira administração para que assumisse importante cargo na Prefeitura. Justificativa para a recusa: já aposentado queria dedicar-se apenas à esposa Tânia Maria (minha irmã), às filhas Ivana e Maria de Fátima e aos netos Jonas e Felipe. Na época não tinham nascido ainda Gabriel e Mari Eduarda.

 

Não obstante as considerações acima, Canindé compõe surpreendentemente o quadro de sócios efetivos do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Parnaíba (cadeira nº 13).Será que o colocaram lá sem consultá-lo?

 

     Desde que nos tornamos amigos houve apenas uma divergência entre nós: ele era obcecado pelo Fluminense; eu, pelo Flamengo. E segundo o genial teatrólogo e tricolor Nélson Rodrigues “o Fla-Flu (único clássico do futebol brasileiro a merecer a honraria de patrimônio imaterial do Rio de Janeiro) não tem começo. O Fla-Flu não tem fim.”