Renato CBRenato Pires Castelo Branco nasceu em Parnaíba-PI em 1914. Formou-se em direito no Rio de Janeiro e dedicou-se à carreira de publicitário, chegando à presidência da J. Walter Thompson no Brasil e à vice-presidência nos Estados Unidos.

Publicou em 1938 o primeiro livro, o ensaio histórico-cultural A QUÍMICA DAS RAÇAS. O segundo livro – A CIVILIZAÇÃO DO COURO –, editado quatro anos depois, é um estudo histórico-social do Piauí, recebido com entusiasmo pela crítica como se vê na opinião de Monteiro Lobato:

“Se todos os estados do Brasil tivessem uma monografia  intética à altura desta, o Brasil seria, como um todo, o país mais bem fotografado do mundo.”

Pesquisador capaz de se aprofundar na análise dos fatos, Renato Castelo Branco escreveu outros ensaios que instruem e esclarecem acerca da realidade mito-arqueológica e histórico-social do Brasil: UM PROGRAMA DE POLÍTICA EXTERIOR PARA O BRASIL; PIAUÍ: A TERRA, O HOMEM, O MEIO; PRÉ-HISTÓRIA BRASILEIRA e OS CASTELO BRANCO D’ALÉM E D’AQUÉM MAR.

Tendo explorado diversos gêneros literários, destacou-se ainda como romancista, memorialista e poeta.

O primeiro romance – TEODORO BICANCA -, em que faz o retrato sociológico das populações ribeirinhas do vale do Parnaíba nos anos 30, foi premiado pelo Círculo Literário Brasileiro e bem aceito pela crítica, que viu nele qualidades que o colocam na primeira linha da nossa prosa de ficção.

Esse romance, editado em 1948 e reeditado em 2016 pela Academia Piauiense de Letras foi mal compreendido por alguns parentes de Renato, que entenderam que o coronel Damasceno, personagem do livro, era uma alusão ao coronel Belarmino Pires, tio do escritor.

Magoado com o mal entendido familiar, Renato Castelo Branco fez o  seguinte desabafo no livro de memórias TOMEI UM ITA NO NORTE:

“… confundiu-se um tipo sociológico genérico, o Coronel, fruto de um quadro histórico, com a pessoa de meu tio. Isto provocou um grande mal-estar em minha família e uma grande mágoa para mim. Por esta razão, nunca permiti que fosse feita nova edição de TEODORO BICANCA, livro premiado pelo Círculo Literário Brasileiro e que figurou, por algum tempo, entre os best-sellers de sua época”.

Renato Castelo Branco é autor de dois grandes romances  memorialísticos: O RIO MÁGICO e A ILHA ENCANTADA.

Em sessão pública promovida pela Academia Parnaibana de Letras em 1987, fiz a apresentação de O RIO MÁGICO, oportunidade em que lembrei tratar-se do livro da maturidade plena, onde o sentimento de nostalgia e o pensamento adulto se alternam  e se fundem para se completarem numa mensagem carregada de ternura e de reflexões transcendentais. Numa palavra, é o livro da (re)avaliação da existência e da preparação para o infinito e a eternidade.

Publicou em 1992 A ILHA ENCANTADA, romance escrito em dois planos: a vida num internato  de meninos (Instituto Viveiros, em São Luís   a partir de 1924 e cinquenta anos depois – o destino  dessas crianças.  Com este romance, aliás, o autor me prestou  duas homenagens: a primeira estampada na dedicatória impressa e a segunda ao eleger como uma das personagens o meu pai Alcenor Rodrigues Candeira, amigo e contemporâneo do escritor.

Foi no gênero histórico, contudo, que Renato Castelo Branco escreveu o maior número de romances: O PLANALTO , painel dos primeiros anos da Capitania de São Vicente e da Vila de São Paulo, e os que compõem a TRILOGIA DO MEIO-NORTE (RIO DA

LIBERDADE, SENHORES E ESCRAVOS e A CONQUISTA DOS SERTÕES DE DENTRO), que  se fundamentam em acontecimentos localizados no Vale do Parnaíba, isto é, as guerras da independência, a Balaiada e  a conquista do Vale pelos bandeirantes paulistas e vaqueiros baianos..

O romance histórico, iniciado no Brasil por José de Alencar com A MINAS DE PRATA e A GUERRA DOS MASCATES, pouco tem sido explorado entre nós. Em estudo sobre a Trilogia, Ricardo Ramos lembra que

“… as explicações para esse reduzido espaço, que às vezes resultam na simples justificativa,  são de natureza variada. A mais frequente, no entanto, aponta a ausência de fontes, de referências, a desmemória nacional que nos deixa quase sem passado. E se não sabemos dos quilombos, das lutas libertárias ou de movimentos messiânicos, como o escritor poderia exercer a sua imaginação em torno de fatos desconhecidos? Não sejamos tão elementares em nossas desculpas. A documentação histórica, ainda que eventualmente parca e dispersa, sem dúvida existe. O que não temos, reconheçamos, é o gosto, o hábito da pesquisa. Em particular  com vistas à literatura, mas alcançando o cinema, a música, os domínios mais imprevistos. Os nossos grandes momentos  confirmam as exceções de trabalho e rigor, enquanto a nossa rotina se perde no sem esforço do medíocre.”

Nesse quadro de escassez de romances históricos no país, é louvável que justamente dois escritores nascidos em Parnaíba, Renato Castelo Branco e Assis Brasil, tenham produzido no final do século XX obras no gênero. Cada um com cinco romances.  De Renato Castelo Branco: RIO DA LIBERDADE, SENHORES E ESCRAVOS, A CONQUISTA DOS SERTÕES DE DENTRO, O PLANALTO e DOMINGOS JORGE VELHO E A PRESENÇA PAULISTA NO NORDESTE. De Assis Brasil: NASSAU, SANGUE E AMOR NOS TRÓPICOS, VILLEGAGNON, PAIXÃO E GUERRA NA GUANABARA, TIRADENTES: PODER OCULTO O LIVROU DA MORTE, JOVITA: MISSÃO TRÁGICA NO PARAGUAI e PARAGUASSU E CARAMURU: PAIXÃO E MORTE DA NAÇÃO TUPINAMBÁ.

Antes de falar da produção poética do escritor parnaibano, menciono outro livro em prosa de sua lavra: TOMEI UM ITA NO NORTE, obra rica de acontecimentos e de emoções em que o memorialista passa em revista fatos e pessoas que lhe marcaram a vida.

Como poeta, Renato Castelo Branco publicou os seguintes livros: CANDANGO, GAGARIN, BLAIBERG E OUTROS POEMAS, A JANELA DO CÉU, AMOR E ANGÚSTIA, O ANTICRISTO, POEMAS DO GRANDE SERTÃO e PÁTRIA AMADA.

O primeiro reúne poemas modernistas que comovem pelo sentido humanitário e pelo lirismo singelo.

Em A JANELA DO CÉU, os poemas não são revestidos apenas de lirismo amoroso mas também de lirismo que tangencia a temática social. Nessa obra de poemas curtos o poeta se revela um poeta de seu tempo que se identifica, de forma solidária, com os problemas do mundo: na pílula que inviabiliza a criação do milagre da vida, no bonzo incendiado, no amigo perdido na solidão da metrópole norte-americana.

É impossível falar de morte da poesia diante de versos como estes: “Teu sangue não nutrirá/ o feto que deverias/ abrigar em teu ventre./ E assim/ não padecerás as dores/ que te destinava o Senhor./ Não lacerarás teu seio,/ nem ficarás noites insones,/  nem criarás o milagre da vida.”

Acho que devemos ler e guardar, como uma voz que representa todos os homens de boa vontade, o poema “Os Olhos do Ódio”, “trágicos como as auroras de Israel,/ rubros como as noites incendiárias dos guetos,/ pérfidos como a fome”.

A respeito de A JANELA DO CÉU disse o grande poeta paulista Cassiano Ricardo:

Renato Castelo Branco, a meu ver, exercita pelo menos em vários passagens deste livro um modo bastante seu, pessoal e humano, de pensar liricamente. Pensar (note-se bem) dentro do contexto cultural da nossa época. Sem comprometer a sensibilidade mas situando  o ‘racional’ ao lado do ‘poético’. E isto prova que se coloca ele no bom caminho da poesia de hoje.”

Em AMOR E ANGÚSTIA, que reúne poemas inéditos e outros Inseridos em livros anteriores, constata-se o esforço do poeta no sentido de transmitir uma mensagem de amor e  de crença no homem e no seu destino, não obstante os abismos do mundo.

A revolta contra o império do “ter” sobre o “ser”, o interesse pela vida presente, o horror da bomba, a valorização da liberdade, a crença em Deus e, apesar de tudo, também no homem e na vida, tudo isso significa valiosa mensagem capaz de “acordar os homens”, como está dito em poema famoso de Carlos Drummond de Andrade.

Em 2016, a Academia Piauiense de Letras reeditou dois livros de Renato Castelo Branco, publicados nos anos 40: A CIVILIZAÇÃO DO COURO e TEODORO BICANCA.

O lançamento dessas obras ocorreu em Teresina durante  evento promovido pela Universidade Estadual do Piauí com apoio da Academia Piauiense de Letras, em 2016, tendo eu recebido a incumbência de fazer a apresentação. Aliás, já tinha me pronunciado publicamente sobre Renato Castelo Branco em três outros momentos: no lançamento de O RIO MÁGICO em Parnaíba (1988), na minha posse na cadeira nº 19 da Academia Piauiense de Letras (1996) e no 3º Salão do Livro da Parnaíba (2012).

Renato Castelo Branco faleceu em São Paulo em 1995.

Por Alcenor Candeira Filho