cnhA Quarta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) proibiu nessa terça-feira (5) a apreensão do passaporte de um devedor, com a justificativa de que a medida é “desproporcional” e fere o direito constitucional de ir e vir.  Ministros, no entanto, mantiveram a suspensão da carteira nacional de habilitação que já havia sido determinada em primeira instância.

A decisão ocorreu com base na análise de um recurso em habeas corpus apresentado por um homem cobrado na Justiça por uma dívida de R$ 16.859 de um contrato de prestação de serviços educacionais.

Sem receber o pagamento, a escola pediu a suspensão do passaporte e da carteira de habilitação do devedor, como forma de tentar coagi-lo a pagar.

O pedido foi aceito pela 3ª vara cível da comarca de Sumaré, no interior de São Paulo, que determinou a apreensão dos documentos em maio do ano passado.

O homem então recorreu a outras instâncias e ao STJ para tentar reverter a medida, alegando que isso feria sua liberdade de locomoção. O caso foi discutido nessa terça.

No mês passado, a Folha de S.Paulo mostrou que juízes de primeira instância de diferentes Estados tem decidido pela suspensão desses documentos em caso de dívidas. A situação tem gerado controvérsia entre especialistas e membros do Judiciário.

A aplicação desse tipo de medida, tida como “atípica”, tem base no artigo 139 do novo Código de Processo Civil, que entrou em vigor em 2016.

Para a Quarta Turma, a suspensão do passaporte foi desproporcional, violou o direito de ir e vir e feriu o princípio da legalidade. A decisão ocorreu por unanimidade entre os ministros Luis Felipe Salomão, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Antônio Carlos Ferreira.

Essa é uma das primeiras decisões do STJ contra a suspensão do passaporte por esse motivo.

Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a retenção do passaporte é medida possível, mas deve ser fundamentada e analisada caso a caso – no caso em questão, diz, as circunstâncias apontaram “falta de proporcionalidade”.

“Tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável”, afirmou em seu voto.

A suspensão da CNH, por sua vez, foi mantida. A justificativa é que já há jurisprudência no STJ no sentido de que a medida não fere o direito de ir e vir.

“Isso porque, inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”, defendeu o relator.

“Entender essa questão de forma diferente significaria dizer que todos aqueles que não detém a habilitação para dirigir estariam constrangidos em sua locomoção”, completou.

Salomão admitiu, porém, que a suspensão da CNH poderia causar problemas para quem usa o documento para fins profissionais. Neste caso, porém, haveria maior possibilidade de reverter a medida, o que não seria o caso, informa.

DIRETRIZES

O ministro defendeu ainda que sejam fixadas diretrizes, por parte do STJ, para aplicação das chamadas medidas atípicas previstas no novo Código de Processo Civil.

Ele se refere ao artigo 139 do código, segundo o qual juízes podem “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, incluindo em casos de prestação pecuniária”.

Até então, medidas como essas não eram aplicadas nos casos de obrigação de pagar uma dívida -para estes, valiam apenas os meios já tradicionais, como penhora e expropriação de bens.

Para Salomão, a abertura na legislação para que juízes apliquem medidas coercitivas em caso de dúvidas “não pode significar franquia à determinação de medidas capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em sua totalidade”.

De acordo com o ministro, o reconhecimento da ilegalidade da suspensão do passaporte no caso analisado nesta terça não significa que, em outros, a medida não possa ser aplicada.

“A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência”, afirma.

Fonte: Folhapress