O período de fim de ano é marcado pelas festividades do Natal e Ano Novo, férias ou recesso. O que para muitos é motivo de alegria e celebração, para outros é um momento em que as crises de depressão e ansiedade se tornam mais comuns.

Também conhecida como depressão de fim de ano ou síndrome do fim do ano, a “dezembrite” é classificada pelos profissionais da saúde mental como um Transtorno Afetivo Sazonal (TAS). A “dezembrite”, apesar de considerada como algo passageiro, se não diagnosticada e tratada corretamente, pode evoluir e se tornar um transtorno recorrente, causando sofrimento ao indivíduo.

A psicóloga Keyth Barros, explica que esse é um período que é um período de finalização do ano, onde naturalmente vamos dando conta do final de um ciclo e com isso algumas reflexões passam a nos rondar. “Quando conseguimos fazer lá o nosso check list do ano e concluímos que foi um ano produtivo, um ano bom, isso já dá um reforçador positivo. Mas quando a gente faz o contrário, o contraponto disso, que é um ano do qual você chega no final dos dias, do último mês, e a gente se dá conta de que não cumpriu as metas, que muita coisa aconteceu, estava fora do previsto, isso pode desencadear alguns quadros de ansiedade”, explica.

Atualmente a forte influência da mídia social, também influência muito neste período, pois há uma enxurrada de informações que levam a aumentar o pensamento ansioso. “Esse movimento de fazer várias reflexões e análises do ano todo acabam muitas vezes prejudicando essa pessoa. Simbolicamente, dezembro é o mês mais ansioso. O mês onde as pessoas querem concluir as demandas. E o risco maior é desencadear tanto para uma crise de ansiedade e até mesmo para um processo depressivo”, pondera a psicóloga.

Mas o que é a “dezembrite”?

Keyth esclarece que nessa época realmente há momentos de grandes níveis de ansiedade e de depressão, sendo observado também muitos comportamentos relacionados à exaustão emocional ou física. Dezembro é um mês em que os psicólogos e psiquiatras ficam mais atentos, como cuidadores da saúde mental.

“Além de todo o efeito da própria data da finalização, a gente tem toda a questão da simbologia desse mês, porque é um mês muito forte, é um mês carregado de símbolos, tem o Natal, que tem uma questão familiar que muitas vezes vem à tona, tem a questão da finalização do ano que muitas vezes vem à tona. Então é sempre um momento de acolhimento e muita atenção”, observa.

Quais são as principais causas?

Um estudo feito pela International Stress Management Association Brasil (ISMA-BR) revelou que o nível de estresse do brasileiro aumenta cerca de 75% no mês de dezembro. A pesquisa analisou 678 homens e mulheres de 25 a 55 anos e mostrou que, apesar das festividades, sentimentos negativos como angústia, ansiedade e tristeza também se fazem presentes nessa época do ano.

Segundo o Dr. Henrique Bottura, médico psiquiatra e diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista, esse tipo de manifestação pode estar relacionado a problemas financeiros, estresse de fim de ano, sobrecarga na organização das festas e, inclusive, ao período de reflexão e nostalgia, típico em situações de fechamento de ciclos.

Vale lembrar que os últimos anos foram marcados pela pandemia da COVID-19, que causou grande impacto na vida de dezenas de milhares de pessoas ao redor do mundo. É normal então que nessa época de confraternizações as pessoas fiquem mais sentimentais, por isso esse transtorno tem se tornado cada vez mais comum. “Como o Natal é o período em que as pessoas que se amam buscam estar juntas, aqueles que não mais estão aqui fazem mais falta, ativando um sentimento de tristeza relacionado à perda”, acrescenta o Dr. Bottura.

Quais os principais sintomas do transtorno?

Para a psicóloa Keyth, entre os sinais do corpo, o principal é a exaustão. Nesse final do ano o que mais se percebe nas clínicas é o cansaço mental, físico e emocional dos pacientes. “Notamos muitos sintomas relacionados a síndrome do pânico, a queixa de crise de ansiedade, a pessoa não dorme, está muito estressada, tem dor de cabeça, dor no estômago. É um período que aumenta muito a procura por profissionais, por médicos”, aponta.

É preciso fazer primeiramente uma análise, se os sintomas são em decorrência de algo físico ou psíquico. “Questione como que está o meu autocuidado? Como estão as minhas válvulas de escape? Como está a minha autocobrança? Se a gente conseguir diminuir esses pontos, melhoramos os sintomas físicos e conseguimos fazer projeções realistas para o próximo ano, não mais frutos só de desejo”, acrescenta.

Também é importante pensar na questão do sono. “Num quadro instável, elas têm também uma instabilidade no sono, o que contribui para todo o resto. Quando a gente está exausto, temos uma tendência a querer desistir, e muitas vezes não é uma questão de desistência, é uma questão de descansar. Descansa primeiro, descansa a cabeça, o corpo, deixa as coisas se organizarem para que aí você tome outras decisões”.

Quem pode desenvolver a “dezembrite”?

Todos nós estamos sujeitos a desenvolver esse transtorno. Conforme a psicóloga, geralmente são pessoas mais ansiosas ou pessoas que de algum modo têm um processo de autocobrança muito forte. Por entenderem pela sua análise que não conseguiram concluir aquilo que tinha se proposto, essa ansiedade vem muito mais forte. “Temos, assim como os ansiosos, as pessoas com uma tendência mais melancólica, que também fazem análise e acabam por concluir que não foi um ano que conseguiu emagrecer, que mudou de emprego, que melhorou a vida”, cita Keyth, como exemplo.

Outra razão que pode ajudar a desenvolver a ‘dezembrite’, são as metas, os desejos para o próximo ano, que é um movimento que acaba se fazendo como um aspecto de projeção. “O que é legal, do ponto de vista do desejo da gente buscar algo melhor para o próximo ano, mas é muito arriscado quando as metas e os sonhos estão muito fora do que a realidade propõe. Então muitas vezes as pessoas se vêem frustradas e acabam condensando tudo. Isso nessa época do ano, porque inevitavelmente o próximo ano vai chegar”, pondera.

Cuidado com os excessos!

Os comportamentos compensatórios, a questão das confusões, segundo profissional estão muito ligadas a uma forma de dar conta daquilo que está sendo sentindo, como a falta, a frustração etc.

“Percebemos um aumento de consumos compulsivos, seja de bebida, de comida, de compra, muito para tentar apaziguar aquilo que está dentro que não está organizado. E a gente sabe que isso não é duradouro, é um efeito que, às vezes, é naquele momento, primeiro ele não resolve o problema e segundo que ele acaba piorando porque depois tem todas as consequências desse primeiro ato compulsivo”, pontua.

Busque ajuda e tente entender se isso é fruto de um desejo, ou se isso é fruto de um pensamento compulsivo. “Se você está comendo, comprando, bebendo, uma questão de eu sei, eu quero, eu tenho controle, ou não, já virou um comportamento compulsivo. Até para que a gente possa tratar esse comportamento para que isso não fique permanente. Porque se a gente não olha para esses sintomas, muitas vezes isso se torna parte da gente”, aconselha.

O que fazer para evitar ou até mesmo prevenir?

Uma vez que a gente já se percebe mais ansioso, mais estressado, ou mais depressivo. A primeira coisa é diminuir a autocobrança. “Não é possível a gente concluir um ano inteiro em dias do mês, do único mês. Então criar metas claras, fazer pequenas coisas que vão até dar corpo para o próximo ano, para metas que não foram possíveis ser realizadas, poderem ser realizadas no ano seguinte”, orienta a psicóloga.

Diminuir a autocobrança e buscar algo que traga prazer, “seja um autocuidado, seja numa alimentação, seja estar com a família, mas buscar algum recurso que vai te ajudar a diminuir esse grau de ansiedade, depressão”, analisa Keyth.

Por um 2024 mais saudável

E como ajuda para o próximo ano? A psicóloga orienta a estabelecer metas mais realistas, coisas que, dos quais realmente dependem primeiramente de quem as está fazendo. “É importante que a gente tenha metas, é importante ter desejos e tal, mas que sejam realmente fruto de uma análise, que não sejam só pelo desejo de conquistar alguma coisa que de repente nem está ali sobre o escopo da pessoa”, recomenda.

E diminuir a expectativa. Se o ano anterior não foi um ano tão positivo, você colocou lá 10 metas e não concluiu, coloque menos. “Diminui, avalie ao longo do ano, se você de fato está conseguindo aquilo que deseja, não deixa lá para o final do ano, para justamente diminuir esses sintomas e não ficar uma coisa recorrente”, orienta.

“Para ajudar essas pessoas a lidarem da melhor forma e não desistirem, inclusive do ano que vem, que está chegando. Como cuidadora de saúde mental, cuidamos muito para que as pessoas tenham um mínimo de qualidade e consigam se organizar para poder projetar um ano bom, que é o ano seguinte. Para poder ter até esperança”, finaliza a psicóloga, Keyth.

Fonte: Correio do Estado