SEMANÁRIO JURÍDICO

JOSINO RIBEIRO NETO

SÊNECA – “Quem acolhe um benefício com gratidão,

paga a primeira prestação de sua dívida”.

 

DIREITOS DO CONSUMIDOR. BREVE RESSUNTA.

A Constituição Federal de 1988, também denominada de “Constituição Cidadã”, para alguns detalhista, se confundindo com legislação ordinária, entretanto, em sede de valorização da dignidade da pessoa humana, em disciplinamento de elevado alcance, prestigiou o  direito das “famílias”, criando o que denominou de “entidade familiar”, protegendo outras relações de convivência entre as pessoas, ampliando as regras do casamento tradicional, por tudo isso, além outras regras de relevante aspecto social e humanista, por todos estes avanços e ineditismo numa Carta Federal, pode,  realmente, ser considerada uma “Carta Cidadã”.

E, como afirmado,  foi além, na defesa dos direitos fundamentais da pessoa humana, ao instituir o comando, isto é, o alicerce, para a legislação de regras de defesa do direito do consumidor, estampado no art. 5º, XXXII, “a defesa do consumidor”.

Restou, do comando constitucional a promulgação da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que instituiu o CÓDIGO DE FEFESA DO CONSUMIDOR, que no art. 1º, disciplina:

“O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

Sobre a matéria, colhe-se de Leonardo Medeiros Garcia, autor do “CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR”, Editora jusPODVIM, 12ª edição, p.17,  os seguintes comentários:

“A inclusão da defesa do consumidor como direito fundamental na CF vincula o Estado e todos os demais operadores a aplicar e efetivar a defesa deste ente vulnerável, considerado mais fraco na sociedade. É o que chamamos de “força normativa da Constituição”, na expressão de Konrad  Hesse, em que a Constituição , ou os direitos nela assegurados, em especial os direitos fundamentais, não são meros programas ou discursos a serem seguidos, mas apresentam força de norma (norma jurídica), passível de ser executada e exigível”.

E prossegue o autor (ob. cit. p. cit.):

“A Constituição, sob novo enfoque que se dá do direito privado, funciona como centro irradiador e marco de reconstrução de um direito privado brasileiro mais social e preocupado com os vulneráveis. Na belíssima trazida do direito alemão por Claudia Lima Marques, a Constituição seria a garantia e o limite de um direito privado construído sob seus valores (principalmente os direitos fundamentais), transformando-o em um “direito privado solidário”.

Para corroborar com a importância da defesa do consumidor, este, vulnerável ao poder econômico dos empresários (comerciantes), a Justiça, através de repetidas decisões, tem fortalecido o direito do consumidor, comprovadamente hipossuficiente, conforme as decisões judiciais (jurisprudência) , em especial, originárias do STF, copiadas do livro de Leonardo Medeiros Garcia (ob. cit. p.19):

“O STJ, em interessante caso, aplicou o princípio da dignidade da pessoa humana nas relações privadas para evitar que o consumidor viesse a ser preso em razão do descumprimento do contrato de alienação fiduciária. Restou demonstrado no processo que, ao ficar inadimplente, o consumidor teve a dívida elevada em mais de quatro vezes no período inferior a dois anos. Com isso, o STJ, em consonância com a nova interpretação do direito privado, entendeu que, caso o consumidor fosse compelido ao pagamento da dívida abusiva, passaria o resto da vida preso ao débito, o que feriria, sobretudo, a liberdade e, consequentemente, a dignidade da pessoa humana:

Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Direitos fundamentais de igualdade e liberdade. Cláusula geral dos bons costumes e regra de interpretação da lei segundo seus fins sociais. Decreto de prisão civil da devedora que deixou de pagar dívida bancária assumida com a compra de um automóvel-táxi, que se elevou, em menos de 24 meses, de R$ 18.700,00 para R$86.858,24, a exigir que o total da remuneração da devedora, pelo resto do tempo provável de vida, seja consumido com o pagamento dos juros. Ofensa ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, aos direitos de liberdade de locomoção e de igualdade contra- tual e aos dispositivos da LICC sobre o fim social da aplicação da lei e obediência aos bons costumes (STJ], HC n° 12547, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 12/02/2001)

Em outro caso recente, o STJ proferiu decisão no sentido de que o prazo de carência do plano médico hospitalar ficará suspenso, caso a pessoa tenha que fazer uma cirurgia de emergência devido ao surgimento de doença grave. No caso em comento, a associada contratou plano de saúde, cujo prazo de carência para a realização de cirurgias era de três anos. Faltando, porém, apenas alguns meses para a expiração do prazo, a contratante descobriu que era portadora de tumor medular e foi obrigada a arcar com todas as despesas médico-hospitalares. De acordo com STJ, a cláusula de carência do plano de saúde não pode ser aplicada de forma abusiva, e nem se contrapor ao fim maior de um contrato de assistência médica, que é o de amparar a vida e a saúde.”

Um aspecto que merece ser frisado é que a Constituição Federal, de forma inovadora, colocou a figura do consumidor no elevado patamar de agente econômico e social, ao estabelecer de forma expressa como princípio da ordem econômica a “defesa do consumidor” (art. 170, V), legitimando o Estado para promover intervenção nas relações privadas , objetivando garantir os direitos fundamentais dos cidadãos.

O Superior Tribunal de Justiça decidiu: “A intervenção do Estado na atividade econômica encontra autorização constitucional quando tem por finalidade proteger o consumidor” (STJ, MS, 4138/DF, DJ 21.10.1996).

Alguns doutrinadores firmam posicionamento equivocado sobre o que consideram exageros na defesa posta na legislação consumerista. Frise-se que a defesa do consumidor, que motivam ações sociais  de elevado nível, não é incompatível com a livre iniciativa e o crescimento econômico. As duas vertentes estão previstas como princípios de ordem econômica constitucional , conforme consta do disposto no art. 170 da CF:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento deferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; e IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Então, não confundir a relevante função social de defesa dos menos favorecidos  nas relações de consumo, com supostos entraves na ordem econômica. As irresignações do empresariado devem ser creditadas à vedação das  práticas  do costumeiro proveito nas negociações com os consumidores, em situação de desigualdade, induvidosamente, hipossuficientes.

Por fim, registre-se, que a elaboração do Código de Defesa do Consumidor, resultou de determinação constante no art. 48 do ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de Defesa do Consumidor”.

O Superior Tribunal de Justiça, em manifestação decisória e se reportando sobre o referido Código, afirmou:

“O Código de Defesa do Consumidor veio amparar a parte mais fraca nas relações jurídicas. Nenhuma decisão judicial pode amparar o enriquecimento sem justa causa. Toda decisão há de ser justa”. (STJ, REsp. 90366/MG, DJ 02/06/1997).