DOIS AMOR

 

Vitor de Athayde Couto

Atenção, Sr. Revisor: é “dois amor”, mesmo. Para reclamações, favor dirigir-se a sua “incelença”, o Sr. Dorival Caymmi, no Paraíso,

– Quem governa?

– A política.

– Quem conserta?

– A ciência.

– Quem pesa?

– A métrica.

– Quem transporta?

– A logística.

– Quem vende?

– O comércio.

– E quem faz tudo isso ao mesmo tempo?

– Só o pescador é capaz de governar, consertar e pesar. Ele conhece a reta de chegar e sabe aonde vai. Só o pescador governa o barco, conserta o peixe, pesa, transporta e vende no mercado. Só o pescador tem dois amor, na terra e no mar (ouça aqui).

Era fria madrugada quando se ouviu na praia um previsível “adeus, mulher, até a volta!”. Assim despediu-se o pescador pela última vez. Já em alto mar, ouviu-se um imprevisível e encantado “bom dia, meu amor!”. E foi com esse ailoviú que o pescador cumprimentou a sereia Ondina(*), mergulhou nas profundezas do Paraíso e por lá ficou até criar juízo final, no Dia de São Nunca.

(*) Ondina é uma espécie de sereia. Este miniconto foi escrito enquanto as jubartes voltavam dos Abrolhos, e brincavam com suas crias, na praia de Ondina, cidade da Bahia. Assim mesmo, “cidade da Bahia”, e, não, Salvador. Para reclamações, favor dirigir-se ao Sr. Jorge Amado, no mesmo Paraíso.

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Ouça o áudio com a narração do autor:

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