MARINA

Vitor de Athayde Couto

“É mais fácil fazer uma revolução social

do que uma verdadeira reforma tributária.”

(Joelmir Beting, bóia-fria, sociólogo e jornalista,

mais conhecido do grande público como economista)

SUPER QUINTA DA MANGA

Recebi esta mensagem de um amigo:

“O amanhecer é a parte mais bonita

do nosso dia, é quando Deus diz:

Levanta-te, tenho um novo dia pra você,

vai a luta sem medo, pois estou contigo!

Tenha uma quinta-feira abençoado!”

Ao que eu respondi:

“Terá sido mesmo Deus? Com tantos erros de concordância? Égua, já não se fazem mais deuses como antigamente!”

Então ele riu e me explicou que a mensagem não era pra mim. Era pra vizinha, informando que o mercadinho do bairro estava fazendo uma promoção de manga com um preço muito bom naquela quinta-feira.

MARINA

Ela deu a volta ao mundo e atingiu o topo da carreira acadêmica. Foi numa sexta-feira enluarada que a morena Marina se pintou e tirou férias. Decidiu visitar a sua aldeia, onde, pela primeira vez, teve um artigo censurado porque toda publicação aldeã sempre tem um dono privado, quase sempre com acesso a dinheiro público. Não satisfeitos, os censores aldeões e o dono ignoraram o seu currículo. Também pela primeira vez teve a palavra cassada em um debate pretensamente acadêmico. Mas não se surpreendeu com o nível cré-com-cré de um pobre Cristo sem corcovado. Ela sabia que a sua aldeia não tem o cimo de um outeiro. Porque não tem outeiro. E, sem outeiro, da sua aldeia não se pode ver o universo.

Ao criticar a literatura chapa branca, tenta concluir a sua fala, mas o dono da palavra ficou de mal e mandou desligar o microfone. Marina ainda pensa que “o espaço da criação só existe quando a gente não está trabalhando para a arquibancada.” Só o povo tem o direito de errar. Os poetas, não.

Enquanto o seu pensamento se eleva até os altos píncaros do universo, a sua aldeia sem outeiro continua sendo apenas uma aldeiazinha idiota, uma aldeota.

Por todo o restante das férias, só lhe resta quebrar caranguejos. Marina, porém, decide ser vegana e já não tem mais o que fazer naquele reino animal.

 

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Ouça o texto com a narração do autor: