– Escarafacho, tira o pano dos olhos, encara a fria hoste de faunos em êxodo, cumpre teu compromisso vassálico.

Mais um morto na cidade: três tiros no peito. A vítima tombou minutos antes da chegada do primeiro repórter. A imagem mais crua será servida quente em seqüência forte  à sua escolha.

Escarafacho virou para o outro lado.

– Vou ligar mais não vou acessar agora, pensou. Bezerra da Silva numa versão digital. Escarafacho precisava continuar o sonho interrompido pelo rádio sintonizado na freqüência da polícia. Tinha virado repórter policial por obra da demanda. Tinha morto para tudo que é gosto. Aliás, os produtos mais visitados, mais consumidos na rede são  policiais.

Morto à bala é apenas um morto furado. Vende mais quando o morto morre na faca. A faca faz mais estrago. Lembra do cara que retalhou a mulher no facão? Pois é! Da mulher você lembra dos pedaços. O crime é assim, um produto de consumo imediato. Mas como nenhuma morte é esplêndida, e uma coisa puxa a outra, na calada da noite, à luz do dia, num piscar de olhos, Parnaíba se transformou na segunda cidade mais violenta do estado.

Riiir… raannn… copiando.  Copom…. Acidente com vítima fatal na BR 343, nas imediações do Arara. – Positivo!

A cabeça do morto foi num saco plástico. Era um mendigo de Luis Correia. Quem atropelou? Ninguém sabe. Pra morto não existe socorro. E se for de outra cidade ainda tem que esperar na pedra do HEDA, já que o instituto médico legal ainda está no papel. Este em especial foi enterrado com indigente, depois de juntarem os pedaços. Nos outros casos, quando alguém dá por falta de alguém, vem buscar o defunto. Ou ele segue para a capital encharcado de formol.

 

 

 

 

 

No dia seguinte os blogs e portais estarão completos. Escarafacho pensou em Omulu e pediu que ele se apiedasse das almas. Desligou o rádio e foi ler Edgar Allan Poe. Fazer o quê?