Depois de quase dez anos tramitando no Congresso Nacional, no último dia 06 de Agosto foi publicado no Diário Oficial da União o “Estatuto da Juventude”, dispondo sobre os direitos dos jovens entre 15 e 29 anos, os princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude, o estabelecimento do Sistema Nacional de Juventude e outras providências.

Segundo consta do Portal do Governo Brasileiro (brasil.gov.br) “as principais novidades do Estatuto são o direito de estudantes a pagar meia passagem nos ônibus interestaduais e direito a meia entrada em atividades culturais para jovens de baixa renda (com renda familiar de até 2 salários mínimos). Em cada evento, os produtores poderão limitar em 40% o percentual de ingressos vendidos com desconto, para ambos os públicos. Os jovens de baixa renda e estudantes que estiverem além deste percentual não terão o direito”.

“Numa altura dessas”, com as “coisas” do jeito que andam, pode parecer que estou demasiadamente cético, duvidando de tudo, mas quando li a notícia, no Portal do Governo Brasileiro, imediatamente questionei o motivo do referido Portal ter considerado o preço diferenciado nas passagens interestaduais e nas atividades culturais como principal novidade do Estatuto da Juventude, e imaginei se não teriam outros assuntos também relevantes que pudessem representar novidades.

Mais adiante, na mesma reportagem do Portal do Governo Brasileiro, consta que “a lei também estabelece, de forma mais genérica, acesso a direitos básicos, como justiça, educação, saúde, lazer, transporte público, esporte, liberdade de expressão e trabalho. Institui o Sistema Nacional de Juventude (Sinajuve), cujas competências serão definidas posteriormente”.

Eis a resposta ao meu questionamento: acesso a direitos básicos, fundamentais dos jovens, como saúde, educação, justiça, trabalho, transporte público, dentre outros, são tratados no Estatuto da Juventude apenas de “forma mais genérica”, daí a explicação sobre a principal novidade da referida lei ser o preço diferenciado de passagens interestaduais e de ingressos nas atividades culturais e os outros assuntos serem vistos apenas de forma secundária.

De fato, ao ler o Estatuto da Juventude constata-se uma grande quantidade de princípios e diretrizes, com alto grau de abstração e generalidade, que podem até expressar, como de fato expressam, valores fundamentais para a juventude, no entanto, têm pouca eficácia prática.

Na realidade, normas de conteúdo genérico, que adotam meras “estratégias de articulação” e “estabelecem diretrizes” não são suficientes para mudar uma realidade. De nada adianta redações tecnicamente perfeitas, sem qualquer alcance prático e sem a adoção de políticas públicas para implementar aquilo que está escrito.

Toda essa discussão me faz lembrar a clássica lição do jurista alemão Ferdinand Lassalle, ao discorrer em 1862 sobre a essência da Constituição. Segundo ele, “a Constituição jurídica não passa de um pedaço de papel. Sua capacidade de regular e de motivar está limitada à sua compatibilidade com a Constituição real”.

Meu receio é de que o Estatuto da Juventude, como texto jurídico, também não passe de um pedaço de papel, bonito de se ler, mas desincompatibilizado com a realidade social e política.

Como bem advertiu o jurista Luiz Flávio Gomes, no artigo “Nova Lei seca será eficaz?”, publicado na Consulex n. 384, Jan. 2003, “continuamos nos iludindo com novas leis, mas nos mantendo indiferentes a tudo aquilo que efetivamente deveria ser feito”.

Por exemplo, sobre drogas o Estatuto da Juventude estabelece como diretrizes da política pública a inclusão de temas relativos ao consumo nos projetos pedagógicos, capacitação e habilitação dos professores e profissionais de saúde e de assistência social para lidar com este tema e valorização das parcerias com instituições da sociedade civil na na abordagem das questões de prevenção, tratamento e reinserção social dos usuários e dependentes.

Tudo o que consta do texto da lei é importante, mas, o que está sendo feito na prática contra a proliferação das drogas? Se continuarmos com tratamentos aleatórios, meramente repressivos, sem uniformização de procedimentos e sem ações integradas e coordenadas de políticas públicas acerca desse assunto, nada adianta constar do papel as poucas providências previstas na legislação.

Outro exemplo, o Estatuto da Juventude estabelece competências para a União, Estados, Municípios e Distrito Federal, no entanto, nenhum prazo foi estabelecido para a implementação de suas responsabilidades, com exceção do prazo de quatro anos para a realização das Conferências Nacionais, Estaduais e Municipais de Juventude, assim como também não há previsão de pena para aquele que deixar de cumprir com suas atribuições. As competências do Sistema Nacional de Juventude (Sinajuve) serão definidas só posteriormente. Enfim, muito texto para pouca prática!