ESTUDANDO INGLÊS

 

Vitor de Athayde Couto

– Vocês sabem, eu ando estudando inglês…

– De novo, Galerão? – interrompeu, impaciente, o bêbado Loréu, com seu chapéu de massa, sempre amassado.

– …aí, eu pedi umas revistas, de casa em casa, livros velhos, qualquer coisa, desde que fosse em inglês. É o que não falta nos porões da Parnasia. Toda casa do centro da cidade tem, nem que seja uma revista pela metade. Ganhei muito material e até hoje não consegui ler nem dez por cento. Mesmo sem entender, eu vou lendo. Acho que assim aprendo. Mas o que mais me impressionou foram umas revistas que estavam jogadas no depósito da velha estação de trem. Eram inglesas, da Inglaterra mesmo. Tinha desenhos de pontes de ferro pro trem passar, mas também, carro, carroça, bicicleta, jumento com ancoreta, tudo. Mas, bonito mesmo, eram as casas, igualzim essas da Rua Grande. Hoje em dia não se faz mais uma casa bonita dessas. É complicado, e tem que ser bem feito. Quem sabe fazer?

– É verdade – concordou Maruzinho. – Outro dia precisei consertar a cerca do meu galinheiro, não achei quem fizesse.

– É porque ninguém ensina, não tem mais treinamento. As escolas de hoje só têm cursos de navegação…

??? (silêncio)

– Sim, navegação… na internet! Navegam dia e noite na internet mas num aprendem nem a pescar manjuba. Agora, o que mais me impressionou, nas revistas, foram as fotos dos engenheiros ensinando os operários daqui da Parnasia. Eles não só aprendiam a arte da carpintaria e da maçonaria…

– Maçonaria? – perguntou Saló, pensando que se tratava de alguma sociedade secreta.

– Sim, eu tou falando da maçonaria de verdade, que é a arte de trabalhar de pedreiro. Coisa séria de gente que trabalha. Nada a ver com reuniões às escondidas e conspirações para cancelar cidadãos. Pode olhar o resultado. Os casarões da Rua Grande, de tão bem feitos duram até hoje. E como são bonitos, cheios de arte.

– É verdade. Nas construções atuais, só se vê o padrão minha casa, minha vida, até em mansão de rico – disse Maruzinho.

– É porque não tem quem ensine. E tem mais. Naquele tempo não tinha esse montão de dinheiro que tem hoje, nesses sistemas complexos, com verba pública pelo meio, tudo misturado. Os caras têm até clube com piscina, e não aprendem a trabalhar direito. Pois, naquele tempo, o domínio da arte da carpintaria e da maçonaria, pelos ingleses, formava os caras como pedreiros, calceteiros, carpinteiros, eletricistas, encanadores… Além disso, os operários ainda aprendiam inglês! Eles viviam bem e não tinham vergonha de ser chamados de operário, empregado… não tinha essa baitolage de hoje. Ou melhor, tinha, mas só aquela baitolage do engenheiro doutor Baitola. Agora, qualquer curiosorréi só quer ser chamado de colaborador, haha. Empregado, não, colaborador, haha. E ainda diz que é parceiro do patrão. Mesmo assim, não sabem mais nem falar português, quanto mais inglês.

– Eu me lembro de um senhor idoso, seu Cipriano, pedreiro de mão cheia, até outro dia tava vivo. Ele dizia que nunca tinha visto aquelas ferramentas que os ingleses trouxeram pra ajudar na construção das casas. O treinamento era muito prático, sem essas baitolage de slide, datashow… pra ele, isso não é trabalho sério, é filme. Ninguém aprende nada, só assiste. Ora, quem quer ver filme que vá pro cinema! – aparteou Maruzinho.

– Eu acho até que aqueles operários sabiam mais inglês do que português.

– Foi isso mesmo que o seu Cipriano me disse. Se alguém pedisse uma torquês, ninguém sabia o que era. Mas se dissesse “passe essa pince aí”, todo mundo entendia, e quem estivesse mais perto, passava logo a torquês, ou melhor, a pince. E ainda tinha as outras ferramentas como a broxa…

 

(próxima crônica: “BROXA OU BROCHA?”)

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Escute o texto com a narração do próprio autor: