FEMINISMO PARNASIANO

 

Vitor de Athayde Couto

 

Não se sabe por que, mas os cartórios têm recebido muitas solicitações de mudanças referentes à chamada questão de gênero. Felizmente isso já é reflexo da luta feminista e da campanha contra o exclusivo masculino heterobinário. Tudo começou com as mulheres reivindicando a inclusão de Filha, Neta ou Sobrinha, no final dos sobrenomes femininos.

 

Mesmo tendo sido ocupados por um grupo de mulheres, os cartórios ainda resistem em defesa do exclusivo patronímico, mas isso não será por muito tempo. Embora se neguem a reconhecer matronímicos, muitos cartórios são liberais na hora de registrar nomes inventados, quase sempre com letras dobradas. Justificam-se ao dizer que, na última reforma ortográfica, as letras “k”, “w” e “y” foram incorporadas ao alfabeto brasileiro-parnasianês.

 

Visando diminuir a confusão, as famílias criam apelidos desde que a criança nasce. Já se observa um fenômeno importante. As pessoas estão se afastando cada vez mais dos registros formais e se auto-reinventando. Cada uma se chama como gostaria de ser chamada, enquanto os apelidos vão se tornando nomes afetivos. Depois, sociais, quando adultas. No trato com a infância, muitas famílias ainda são conservadoras. Por exemplo, se o recém-nascido aparenta ter olhos claros e nasceu na classe média, é quase garantido que o seu apelido vai ser Louro ou Galego. Os parentes vão tentar convencer a humanidade inteira que os seus olhos são azuis, mesmo que não seja verdade.

 

Se a família é rica, o apelido é Alemão. Ou melhor, era. Depois que descobriram um garçom afrodescendente-tinta-forte, cujo apelido é Alemão, acabaram-se os apelidos na classe A, onde a única coisa que interessa é ganhar mais dinheiro. O resto é detalhe.

 

Alguns parnasianos já começam a reagir diante do preconceito. Tentam até alegar, na justiça, que certas atitudes se revelam crime racial. Racismo, sim, mas… infelizmente o judiciário está quase sempre de férias. E como são prolongadas as férias forenses! Todo mundo viaja pra Miami e Orlando, em voos fretados da agência PCC, para realizar o sonho de fazer selfies ao lado do Mickey e do marreco que voou para os Estados Unidos da América (êua, em parnasianês). O certo é que ninguém na cidade tem a quem reclamar, muito menos ao prefeito tranca-ruas, que vive num estado entre bêbado e drogado. Nada importa mais do que selfies com o Mickey Mouse.

 

Agora, se o recém-nascido é pobre, vira logo Fogoió. Se é paupérrimo, é Fogoió da Água Doce. Se é indigente, vira Descascado. Já as meninas têm seus nomes escolhidos pelas mães, tias, primas, irmãs… São quase sempre nomes com letras dobradas, e elas abusam dos kas, dos éles e dos ípsilons. Eventualmente os prenomes derivam de uma mistura escalafobética dos prenomes da mãe e do pai. Desde que se conheça o pai. Ou pelo menos que se saiba o seu nome.

 

Existem fórmulas mais complexas, quando se incluem na equação os prenomes das avós, madrinhas… Resumindo, fazem um frito.

 

Assim, a loucura vai além. Começa a surgir todo tipo de prenome, cada vez mais esgalifoso. Os cartórios de registro não estão nem aí. Mas eu insisto, ainda quero entender. Pergunto à escrivã o porquê dessa enxurrada de doideiras. Ela me responde:

 

– Mani, saber, saber, eu não sei. Mas comecei a formular uma hipótese (tiuría, em parnasianês). Mas é só pra mim. Começo observando a movimentação das mulheres. Das mães, principalmente. Nada a ver com ciência nem método, pois não passa de observação com base no dia a dia do cartório onde trabalho, sempre cheio de gente daqui e da região.

 

– E qual é a sua tiuría?, perguntei.

 

(próxima crônica: “A MINHA TIURÍA”)

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: