FUNK É CULTURA
Vitor de Athayde Couto
Procuro sempre estar atualizado. Ouvi no rádio uma síntese do que se passa no país. Nenhum intelectual é capaz de superar a capacidade que tem o subúrbio de explicar o Brasil, assim:
“O armamento dela é a bunda dela
Faz arminha com a bunda
Com uma bunda dessa ninguém fica sem arroz
E vai descendo no batidão.”
Logo em seguida o mesmo rádio anunciou a forma de pagamento, assim:
“Nós vai te patrocinar
Mas tem que dar o xerecão
Traz a maquininha
Que hoje eu passo xerecard”.
Enquanto isso, a chamada classe média nada cria. Ela apenas se escandaliza e devora mercadorias e serviços. No card.
Houve tempo em que a classe média só conhecia dois partidos políticos. Arena, depois PDS, e MDB, depois PMDB. Como a sigla PMDB lembra Psicose Maníaco Depressiva do Brasil, mudaram de novo para MDB. O povão, com sua sabedoria, chamava isso de Jacu e Carcará. Hoje, resume essa mesma bipolaridade opondo bundões e xerecões. Definitivamente, vanguarda não é coisa de classe média. É assunto exclusivo do povão e das elites.
No período 1964-1985, duas categorias profissionais não encontravam emprego no Brasil: advogados e jornalistas. Por quê?
Porque não havia estado de direito, nem liberdade de imprensa. Para que servem advogados sem Direito? E jornalistas sem Liberdade para noticiar os fatos? Isso explica por que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) aderiram de imediato ao movimento pela redemocratização do país. Pressionadas pelas bases, e tendo à frente lideranças respeitáveis, essas representações buscavam recuperar empregos.
Após anos de luta, resistência e sacrifício de muitas vidas, os direitos civis foram recuperados. Mas, infelizmente, como diz minha tia: “muito me admira ver adevogados e jornalistas pregando a volta de regimes autoritários, cavando o seu próprio desemprego. Mas, também, quem manda não estudarem história?”
O mito de uma classe operária organizada ainda povoa as ideias dos intelectuais de esquerda. Muitos ainda não perceberam que o capital travestiu o trabalhador assalariado, transformando-o em colaborador, parceiro… até “sócio”, acreditem! Paralelamente, o capitalista desmaterializou-se no anonimato das bolsas de ativos globais múltiplos.
Pelo menos o batidão dos funkeiros não hesita. De cara, já diz pra que vem. Como faz a Gaviões da Fiel nas manifestações populares. Aulas! (mandou ver). O fluxo (baile funk) não é só putaria. É emancipação política, na ausência de um Estado desgrudado das elites brancas ou quase. Como os funkeiros não são rebanho, nenhum pastor consegue prendê-los nas cadeias ideológicas.
Como previu Gilberto Gil (1983), não é a classe média que vai salvar a pélvis. É a periferia. Portanto, funk-se quem puder!