carteira_de_trabalhona-5011914A partir deste sábado (11) entram em vigor novas regras trabalhistas. A polêmica está no ar e volume maior de reclamações poderá pairar sobre a já assoberbada Justiça do Trabalho?

José Carlos Wahle, sócio e coordenador nacional da área de Direito do Trabalho do Veirano Advogados, não acredita em aumento imediato de ações. “O que movimenta a Justiça do Trabalho são as demissões e não alteração da lei. Isso ocorre porque, embora seja possível entrar com ação durante a vigência do contrato, 99,9% das pessoas só acionam a Justiça depois que o contrato de trabalho acaba”, diz.

É, portanto, a crise e o consequente aumento no número de demissões que mais respondem pelo acúmulo recente de trabalho para juízes da esfera trabalhista. Na avaliação do especialista, o que pode ocorrer é que novos temas  entrem na lista de reclamações. “A mudança na lei pode aumentar as opções de contenciosos”, diz.

Confira abaixo, alguns pontos que podem entrar para o “cardápio” de reclamações trabalhistas:

Contratos já firmados e que repetem a lei anterior na sua redação

A primeira polêmica é a respeito da validade da reforma. “Há discussão sobre a norma ter efeito diferente sobre novos contratos e antigos”, diz Wahle.

É fato que normas de direito do trabalho se aplicam a todos os negócios jurídicos, mas o que pode acontecer é que, para contratos de trabalho em que a redação repete a lei antiga, haja a reclamação de que não pode mudar.

“Haverá casos em que há no contrato previsões diferentes da nova lei (quando forem mais benéficas ao trabalhador), nesse caso pode ser considerado um direito adquirido”, explica o advogado.

Prêmio e abonos não incorporados ao salário

Artigo da reforma trabalhista exclui prêmios e bônus da remuneração do funcionário, ou seja, não serão incorporados ao salário. Assim, essas verbas não vão entrar no cálculo de qualquer encargo trabalhista e previdenciário.

Antes da reforma, premiações e bônus eram incorporados ao salário quando havia continuidade no recebimento. Agora, pelas novas regras, se todo ano a empresa dá bônus para quem bate meta de produtividade, essa verba – que antes entrava no cálculo do pagamento sobre férias, 13º, INSS, FGTS, descanso semanal remunerado (DSR) –  deixará de ter o chamado reflexo na folha de pagamento.

Enquanto a redação antiga da CLT previa expressamente que a gratificação integrava o salário, o novo dispositivo exclui essa previsão, conforme também explicou o advogado Marcelo Mascaro Nascimento, sócio do escritório Mascaro Nascimento Advocacia Trabalhista.

Esse é o ponto que primeiro deve chegar à Justiça, na opinião de Wahle, porque, diferentemente de grande parte das alterações, não depende de acordo entre empresa e empregado ou entre empresa e sindicato.

Como não depende de acordo, as empresas que decidirem poderão espontaneamente deixar de levar em conta essas verbas na hora de calcular o valor dos encargos.

“Isso vem sendo criticado por especialistas e tem dois pontos de vista. Tem o ângulo trabalhista e o tributário, já que o INSS, por exemplo, quem arrecada é a Receita Federal. “É o primeiro item a ficar ‘ maduro’ para um contencioso”, diz Wahle.

Horas extras e banco de horas

As horas extras já são o item mais reclamado em ações trabalhistas, segundo o especialista, e as novas cláusulas sobre o tema devem continuar rendendo brigas judiciais.

O banco de horas, que antes da reforma só podia ser criado com acordo envolvendo sindicato (por meio de acordo ou convenção coletivos), agora pode ser fruto de negociação individual.

A compensação das folgas do banco – que devia ser feita em até um ano pela lei anterior – agora deve ser quitada em seis meses.

Se o prazo para quitar folgas do banco de horas ficou menor, o período de compensação de horas extras (quando o funcionário faz a jornada semanal de 44 horas trabalhando de segunda a sexta-feira e assim não trabalha sábado) foi ampliado de uma semana para um mês.

Regras que podem ser consideradas inconstitucionais

“Existe a controvérsia sobre a entrada em vigor de alguns aspectos da reforma”, diz Wahle. O advogado Marcelo Mascaro, na sua coluna semanal sobre legislação trabalhista em Exame.com, também afirma que magistrados têm questionado algumas mudanças as quais consideram inconstitucionais.

Segundo Mascaro, a liberação da jornada de 12 horas – a chamada 12×36 que antes da reforma dependia de acordo coletivo para ser implementada –  está entre os temas que correntes jurídicas afirmam ser inconstitucional.

Limitação do valor da indenização por dano moral, fixação de jornada superior a oito horas em atividades insalubres, o trabalho da gestante e lactante em atividade insalubre também são matérias questionadas, de acordo com Mascaro.

Trabalho intermitente X trabalho parcial

Segundo Mascaro, também há questionamento de que a nova modalidade de trabalho possa ferir a Constituição. Mas na opinião de Wahle, o mau uso do trabalho intermitente é que deve gerar mais reclamações trabalhistas.

Recentemente, o anúncio de vaga que antecipava a reforma e oferecia salário de 4,45 reais por 5 horas de trabalho aos sábados e domingos em redes de fast-food viralizou como exemplo de trabalho intermitente, uma nova categoria de trabalho.

“Mas não é trabalho intermitente. Quando o funcionário trabalha só aos fins de semana é trabalho parcial”, garante Wahle.

Ele explica que o trabalho intermitente não pode ser usado para todos os casos. “Pode ser usado por empresa que tem aumento de demanda pontual, que depende da clientela e trabalha com atividades contratadas por projeto”, explica.  Setores de informática, comunicação e de manutenção são exemplos de áreas que poderão contratar dessa maneira.

No trabalho intermitente não há carga horária fixa,  o empregador convoca o empregado com três dias de antecedência do início do trabalho e ele pode recusar ou aceitar. Se não responder presume-se que recusou. Se aceitar e faltar vai pagar uma multa de metade do que iria receber pelo trabalho.

No caso da rede de fast-food, a vaga era oferecida para trabalhar em dias pré-determinados em que sempre há aumento de demanda, ou seja, não é um caso pontual. Por isso é uma modalidade de trabalho parcial, categoria que já existia antes da reforma.

O que muda a partir de amanhã, em relação ao trabalho parcial, é o limite da jornada semanal que passou de 25 horas (sem possibilidade de fazer horas extras) para 30 horas (sem possibilidade de fazer horas extras) ou 26 horas, podendo fazer horas extras.

Os trabalhadores em tempo parcial passam a ter direito a férias iguais às dos trabalhadores em tempo integral. Pela lei anterior, o período de férias poderia variar entre 8 e 18 dias, dependendo da carga horária.

Trabalho autônomo

Com a reforma, um autônomo que preste serviço com exclusividade e continuamente para uma empresa não será considerado como empregado, desde que seja feito um contrato de trabalho formal.

“Talvez esse tema tenha disputas judiciais por conta do mau uso, o mesmo que pode ocorrer com o trabalho intermitente”, diz Wahle.

Se uma empresa contratar um trabalhador como autônomo mas exigir que ele cumpra horário, exigir que obedeça a um chefe e controlar seu tempo à disposição estará cometendo fraude.

“ O ponto central que diferencia o autônomo do empregado é que o empregado obedece a ordens administrativas e o autônomo cumpre diretrizes de negócios”, diz.

Terceirização

Apesar de já ter sido aprovada uma lei sobre o tema, a reforma também trata da terceirização. “Amplia a possibilidade de terceirização para todas as atividades da empresa”, explica Wahle.

O especialista diz que correntes de estudiosos do Direito divergem sobre essa questão. “Uma diz que o novo artigo libera completamente e há outra corrente que defende que a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, que não autoriza terceirização da atividade principal das empresas, continua em vigor. A força da Súmula é por tradição jurídica dos tribunais. Mas numa análise fria a lei prevalece”, diz.

Na interpretação do especialista, a empresa pode terceirizar uma atividade meio ou fim desde que seja contratada uma fornecedora de serviço mais especializada do que ela. Uma empresa,  por exemplo, subcontrata outra mais especializada do que ela para fabricar os componentes do produto que ela projeta e desenvolve, como ocorre na indústria automotiva e na eletroeletrônica. Novamente, ele afirma: é o mau uso que pode gerar processos.

Fonte: Exame