Lagoa do Portinho ao acaso

Diderot Mavignier

Lagoa do Portinho / Parnaíba – Piauí. Bela manhã de inverno 11MAR2018 (Foto: Diderot Mavignier)
Lagoa do Portinho / Parnaíba – Piauí. Bela manhã de inverno 11MAR2018 (Foto: Diderot Mavignier)

No ano de 1975, o governo brasileiro extinguia o importante Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis – o DNPVN, autarquia do Ministério dos Transportes. Estava quase que decretada também a morte do nosso Rio Parnaíba e sua bacia hidrográfica, com maior prejuízo para o Baixo Parnaíba, aonde se encontra o seu Delta com os seus inúmeros igarapés e ilhas. Nesta época, a cidade de Parnaíba tinha a chave do Rio, era o motor da economia piauiense, e os portos de Tutóia, Parnaíba e Luís Correia recebiam anualmente a visita de centenas de navios nacionais e estrangeiros. Por conta do seu efervescente comércio, Parnaíba contava com consulados e representações de companhias internacionais de navegação.

O DNPVN tinha, entre as suas competências, cuidar das hidrovias, e o Parnaíba estava permanentemente sob o seu olhar. E esse olhar era traduzido em cuidados efetivos como contenção de barrancos, retiradas de troncos de arvores, embarcações encalhadas e blocos de pedras, fixação de dunas móveis, construção de cais, abertura de canais (como o São José e Quirindó), dragagem do rio para retirada de bancos de areia, e muitas outras tarefas que significavam a saúde do Rio. Em Parnaíba, o DNPVN era representado pela Comissão de Estudos e Obras do Rio Parnaíba, órgão subordinado ao 3º Distrito sediado em São Luís, Maranhão.

A Comissão, como era conhecido o DNPVN em Parnaíba, valia-se de um corpo de engenheiros, técnicos, topógrafos, desenhistas e maquinistas com grande conhecimento do Delta do Rio Parnaíba. Tinha sede aonde hoje tem endereço o IBAMA, na Avenida Nações Unidas, e impressionante oficina mecânica e estaleiro, onde foram construídos navios, como o Engenheiro Portugal, facilitador dos trabalhos. Além dos guindastes e de muitos outros equipamentos, contava com as dragas Rio Parnaíba e Teresina. Estas fizeram importantes trabalhos de aterramento, suprimindo alagadiços em áreas como as dos bairros Coroa (hoje N S do Carmo), e Quarenta (hoje Mendonça Clark).

Além do Rio Parnaíba, o DNPVN também era responsável pela sua bacia hidrográfica, e nela estava a Lagoa do Portinho. Com o fim da autarquia, sem o seu atento parceiro, o DNPVM, o Rio e a Lagoa começaram a definhar. E é exatamente nas margens do Rio Parnaíba que nasce o principal problema da Lagoa – as dunas móveis. Com a ação socioambiental do homem, o Rio perde sua proteção vegetal, a mata ciliar. Sem esta, um volume considerável de areia é carreado para o seu leito. Como nenhum elemento da natureza aceita o que não é seu, o Rio leva esse material para o mar, que por sua vez joga na praia. Esta tenta se livrar dessa carga, e ao sabor dos ventos, a praia vai formar as dunas móveis. Junto a constante intervenção do homem na área da Lagoa, o desmatamento, a escassez de chuvas, os ventos fortes, o avanço das dunas, veio o abandono e o descaso por quase todo conjunto da sociedade, principalmente piauiense.

Já em 2006, a Lagoa mostrava-se alterada. Neste mesmo ano, o Instituto Histórico Geográfico e Genealógico de Parnaíba, em parceria com outros órgãos, refez parte da batimetria realizada pela Prefeitura de Parnaíba em 1998. Com ajuda de barcos da Capitania dos Portos do Piauí, o reestudo mostrou o que não era visível, mas era sentido: pontos onde em 1998 alcançavam 8 metros de profundidade, agora eram somente 5; onde se media 5 eram 3; e onde era 3, a medição de 2006 verificou 1 metro apenas. Essa considerável redução na profundidade da Lagoa favoreceu rapidamente a diminuição de sua área, com a incrível colaboração das dunas móveis.

Com o estudo, O IHGGP redigiu um documento intitulado Salvando a Lagoa do Portinho, entregue também no 2006 ao governador do estado do Piauí que desenvolveu projeto de fixação de dunas, não surtindo nenhum efeito esperado. Entre outras medidas, o IHHGP pedia a criação de um parque para a proteção da Lagoa e o seu entorno.

Sem um relevante projeto de conservação, onde se envolvam os três grandes entes públicos, a bela e encantada Lagoa do Portinho ficará apenas nas fotografias e memória. Já o povo parnaibano terá como resultado de tudo isso, o trabalho de se livrar das dunas na área urbana de sua cidade. O futuro assistirá, já que a lenda conta que esta invasão de dunas foi a maldição rogada pelos índios tremembés, ao serem expulsos do seu paraíso, o Delta do Parnaíba. Os tremembés amaldiçoaram sua antiga província, agourando que esta seria coberta por dunas de areia, fazendo o ocupante ter eternos trabalhos de retirá-las, mas sem sucesso.

Lagoa do Portinho. Na cor clara, um mar de areia movido pelos fortes ventos NE. Google Maps, 2ABR2018
Lagoa do Portinho. Na cor clara, um mar de areia movido pelos fortes ventos NE. Google Maps, 2ABR2018
As dragas Rio Parnaíba e Teresina estacionadas em frente à Comissão. As lavadeiras faziam parte da cena.
As dragas Rio Parnaíba e Teresina estacionadas em frente à Comissão. As lavadeiras faziam parte da cena.

A draga Rio Parnaíba auxiliando a retirada de troncos do leito do Rio Parnaíba. Relatório do DNPVN.
A draga Rio Parnaíba auxiliando a retirada de troncos do leito do Rio Parnaíba. Relatório do DNPVN.

 Abertura do Canal de São José com fixação de cortina de carnaúba. O canal refez parte do traçado do Rio Igaraçu, o braço mais Oriental do Delta parnaibano, e facilitou a navegação no trecho. Relatório do DNPVN.

Abertura do Canal de São José com fixação de cortina de carnaúba. O canal refez parte do traçado do Rio Igaraçu, o braço mais Oriental do Delta parnaibano, e facilitou a navegação no trecho. Relatório do DNPVN.

Duna fixada pelo DNPVN, na década 1940. Luís Correia – Piauí. Foto: Diderot Mavignier.
Duna fixada pelo DNPVN, na década 1940. Luís Correia – Piauí. Foto: Diderot Mavignier.
Formoso manguezal às margens do Rio Portinho e BR-343. Para educação e respeito, deveria ter placa informativa e mirante para contemplação, pois o mangue é o berçário do mar. Foto: Diderot Mavignier.
Formoso manguezal às margens do Rio Portinho e BR-343. Para educação e respeito, deveria ter placa informativa e mirante para contemplação, pois o mangue é o berçário do mar. Foto: Diderot Mavignier.
Manguezal às margens do Rio Portinho e BR-343, no litoral do Piauí. Foto: Diderot Mavignier.
Manguezal às margens do Rio Portinho e BR-343, no litoral do Piauí. Foto: Diderot Mavignier.

 Placa da BR-343 que sinaliza o acesso a Lagoa do Portinho. A omissão do termo “lagoa” parece já prever o seu sepultamento. Foto: Diderot Mavignier.

Placa da BR-343 que sinaliza o acesso a Lagoa do Portinho. A omissão do termo “lagoa” parece já prever o seu sepultamento. Foto: Diderot Mavignier.