MAIS DO MESMO

 

Vitor de Athayde Couto

 

Mais uma igreja? Glória a deus! É assim que tudo começa. No primeiro dia – o Dia da Criação, o pastor Sirica está concluindo um virtual curso virtual de empreendedorismo virtual em evangelização virtual (online, em parnasianês). O seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tem objetivo e missão virtuais. Objetivo virtual: promover o bem-estar da humanidade. Missão virtual: produzir lives evangélicas para rebanhos e pastores. O estudo de caso (kêizi, em parnasianês) contempla um projeto para fundar mais uma igreja. O Pr. Sirica tem um grande desafio pela frente: a nova igreja tem que ser rentável e deve apresentar uma elevada taxa de retorno no curto prazo e a menor relação custo-benefício possível. Sem esquecer de embutir a “devida” isenção fiscal.

 

Depois de analisado pelos bispos integrantes do conselho das IF, que, conforme me disse o Pr. Sirica, é o Conselho Neopentecostal do Povo e da Juventude (CNPJ), o projeto é aprovado com prioridade. Além de um objetivo real bem definido de arrecadar dízimos, o projeto também tem uma missão real, haha. Missão e objetivo são palavras-chave obrigatórias. Não servem pra nada mas constam em todos os manuais de cursos MBA. No início da sua execução, tem financiamento da agência ISS (International Secret Society). Aqui não é possível dar detalhes a respeito dessa sociedade secreta, senão ela deixa de ser secreta, haha. O prazo de carência dos financiamentos da ISS é de apenas um mês. Um mês para se tornar auto-sustentável. No mercado de risco não existe investimento mais veloz, só na política partidária. Ah, ia esquecendo, o orçamento também é secreto.

 

Como primeira atividade, o Pr. Sirica faz uma visita à residência de uma senhora idosa. Ela mora quase só, na companhia de um velho gato tigrado. Perguntou se podia conversar com ela após o pôr do sol. Com o assentimento, glória a deus, voltou lá na hora do satanás e do conde Drácula, ou seja, às 18 horas de relógio. O primeiro objetivo é fazer uma lavagem cerebral (celebral, em parnasianês) na velha e no gato tigrado, com a promessa de torná-los celebridades. Deu um BOA NOITE bem robusto. Em seguida pediu um tamborete emprestado para se sentar ao lado dela e do gato tigrado, na calçada de sua humilde casinha. Fez uma selfie para enviar ao seu B.O. (Bispo Orientador). Aceita um cafezinho. Depois do primeiro gole, pergunta apenas pra interagir porque faz parte da metodologia:

 

– O açúcar da casa acabou?

 

– Por quê? – disse a velha, preocupada. O café tá com pouco açúcar?

 

– Não, respondeu o Pr. Sirica.

 

– Então…?

 

– Não me leve a mal, dona Florentina – disse o pastor metido a engraçadinho. – É que eu tou achando que a senhora botou todo o açúcar da casa na minha xícara, haha.

 

– Ora, é assim que todo mundo gosta. Bem doce.

 

Devolve a xícara quase vazia, com o fundo atolado de açúcar.

 

– Tem mais, o senhor quer?

 

– Não, tá bom, tá bom.

 

O pastor desloca o tamborete e se posta em frente à velhinha, quase no beicim do meio-fio. Periga até cair, mas se dana a falar, gesticulando sem parar que nem um doido. Positivo e operante, sua muito até ensopar o lenço.

 

Pede água. Os pedestres passantes são forçados a descer da calçada, sempre atentos ao que o pastor vocifera. Assustados, alguns até param. Aquilo parece uma pregação milagreira. E é, por que não? Vi de perto e não esqueço. Impressiona como tem muito método naquela doideira. E como funciona. Basta oferecer um “copo com água”, como dizem, e o milagre acontece.

 

Muito conversador, o pastor convence a velhinha e o gato tigrado a doar metade de suas pensões para aquele embrião de igreja da rede IF que acaba de nascer bem na porta de sua casa – uma verdadeira graça de Manitu, glória a deus. E assim começou mais uma igreja: IF Caramuru, sentados na calçada, até virar um grande templo cujo lema é: “Dízimo com quem andas e eu te direi quem és” (Capítulo “É de ir mais cedo”, versículo 13).

 

Bem treinado na ISS, na área de Empreendedorismo Militante Inovador (EMI), o pastor começa com as perguntas clássicas, fiel ao lema: a senhora tem algum parente pensionista ou aposentado? Vizinho? Algum conhecido? E foi, e foi… até agregar valor ao seu negócio diferenciado, glória a deus.

 

Diante do sucesso nas calçadas ocupadas pelos estagiários egressos dos incontáveis cursos MBA de formação nas IF, oferecidos na cidade, inclusive cursos de pós alguma coisa, a mídia mercenária passa a divulgar que os parnasianos são um povo muito empreendedor. Muito. E “explicam” que o empreendedorismo é o novo capitalismo do mercado novo anormal. E que o objetivo é competir e vencer a China comunista, glória a deus. E que…

 

E que fica instituída a quinta-feira da bênção dos empresários autodeclarados. E que eles se deslocam de muito longe para aceder ao grande templo, pagar o dízimo e beber um copo com água num copo de plástico descartável chinês. E que, após a bênção, despedem-se e trocam cartões de visita. E que uma mão lava a outra. E que…

 

(próxima crônica: “O GORDIM”)

 

NOTÍCIAContos de Parnasia é um livro que reúne 50 crônicas transformadas em contos, além de outros inéditos. Será apresentado:

ONDE: XX Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro.

LOCAL: Riocentro, Pavilhão Azul, Estande G08, Editora Autografia.

QUANDO: Dia 04/12/2021, sábado, a partir das 19:30.

LINK DO EVENTO: Bienal

INGRESSOS: São vendidos por turno. Comprar aqui para o turno das 16h.

Espero você, caro(a) leitor(a). Por gentileza compartilhe com amigos(as) que residem ou estejam visitando o Rio de Janeiro.

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: