MANI
Vitor de Athayde Couto
Afinal, quem é Mani? Ninguém melhor do que ela pra responder: Então, Mani? Quem é você?
– Bem, falo com autoridade porque nasci aqui em Parnasia. Sou de uma geração perdida num tempo esquecido, século após século. Mesmo assim, fui descoberta, classificada e datada como millennial. Meus ancestrais são falocratas[1]. [Nota de esclarecimento: Falocratas são Indivíduos que defendem a masculinidade, centrada na simbologia pagã do culto a Phallus, o mesmo que pênis, como poder dominante sobre toda a sociedade. Os falocratas] Vieram da Falocracia (pronuncia-se Falocrácia, em parnasianês).
Meu nome é Mani Lustrosa. Gosto muito de Parnasia, pois aqui é muito fácil ser feliz – desde que não se leve nada nem ninguém a sério. Eu até me divirto muito em meio a tantos mentirosos porque me imponho uma condição: em Parnasia só tem fuleragem. Tudo é fuleragem.
Divirto-me bastante ao ver como os parnasianos ocupam o tempo ocioso. Além de comer sapecos, que eles chamam de churrasco (a churrasqueira é a área mais nobre das casas dos parnasianos premium), eles adoram discutir a seguinte questão: Quando Parnasia foi fundada? Quem são os heróis fundadores? Por que não temos suas estátuas “cuspidas e escarradas”? Na verdade, eles querem dizer “esculpidas em carrara”. Trata-se do célebre mármore de Carrara – preferido pelos grandes escultores clássicos, porque proporciona a fidelidade exigida na arte tridimensional perfeita, a escultura. Agora, pergunto: já que gostam tanto de estátuas de heróis, por que não fazem um acordo de cooperação cultural envolvendo a prefeitura de Parnasia e a de São Paulo? É que lá em São Paulo (e também no Paraguai) estão queimando estátuas a rodo. Bem que Parnasia, que anda pela contramão da história, podia importar algumas, decorar as praças e matar o velho desejo de adorar heróis. Com direito a bandeiras e ao hino oficial do time de futebol, executado pela excelente charanga que atende pelo nome de “a furiosa”.
Em Parnasia, essa questão de datas e estátuas tornou-se mais complexa do que discutir voto impresso e sexo dos anjos. Mesmo depois que os anjos tornaram-se mais complexos. É que os anjos LGBTQI, com um plus a mais, saíram dos armários celestiais, finalmente. Os trovões anunciam que tá o maior arerê lá no Céu porque São Pedro hesitou três vezes antes de aceitar a presença desses anjos… comunistas, segundo ele. “Logo eu”, disse Pedro a Jesus, “que passei séculos idealizando o anjo perfeito, assexuado, para povoar o Céu!” Tadim do Pedro. Ouviu o galo cantar três vezes, mas não sabe onde. Nunca entrou na boate Blue Angel (Anjo Azul). E olhe que Pedro teve três chances, porque, além da anjo azul, havia no Céu a boate Cock Tail (Rabo de Galo) e a Red Rooster (Galo Vermelho). Como se não bastasse tudo isso, ele ainda tem de conviver com outra crise de identidade: “afinal, eu sou Pedro ou eu sou Simão?”
Além de Parnasia – continuou Mani – eu também gosto muito do meu nome. Quando nasci, minha mãe teve um sonho. Ou seria pesadelo? Quem sabe? Sei lá. Só ela poderia dizer. Mas a minha mãe já não se lembrava de quase nada, quando me contou, pouco tempo antes de morrer. Lembrava-se apenas que meu nome era pra ser Maní. Que eu era predestinada. E Maní era o mesmo nome da minha tataravó. Não sei por que, muitas pessoas da cidade só me chamam de Mãni. Pra não dar mais confusão, escrevo meu nome sem nenhum acento. Nem agudo, nem til. Portanto, podem me chamar do jeito que quiserem. Não me importo.
Pelo menos em uma coisa dei sorte na vida: o tabelião do cartório, “seu” Caminito Palmeira, registrou meu nome sem nenhum acento. Eu não gosto de acentos. Nem de sobrenomes. Os sobrenomes são muito reveladores. Com esse sobrenome, Palmeira, vê-se logo que o “seu” Caminito só pode ser descendente de algum sefardita… ou sefaradita ibérico infiltrado no meio dos falocratas ortodoxos, os falocratas de raiz. É essa a minha primeira ideia, porque os judeus da colônia, para escapar da Inquisição, adotavam sobrenomes tanto animais quanto veganos: havia as famílias Carneiro, Leitão, Bezerra… e as famílias veganas Carvalho, Mangabeira, Lima, Cajazeira, Parreira, Nogueira, Craveiro, Pinheiro… Nas aulas de Geografia do ginásio, os professores diziam que Parnasia não tem população. Tem gado e plantação, haha… De fato, é no comércio, nos shoppings, e, principalmente, nas churrascarias gurmãs de Parnasia que mais se ouve muuu… muuu… Embora o número de veganos esteja crescendo nas pesquisas nacionais, pode-se dizer que os parnasianos ainda são um povo berrante.
Na minha certidão de nascimento está escrito Mani Nunes Carvalho Lustrosa. Dizem que era pra ser Lustosa, mas eu gosto de ser lustrosa. Não me importo. Às vezes as pessoas confundem e me chamam de sestrosa, também. Não sei o que é, mas gosto assim mesmo. Mesmo sem saber. Um dia vou pesquisar na internet. Não pesquiso logo porque posso me decepcionar. Adoro essa palavra – pesquisar. E me divirto muito quando alguém diz que vai pesquisar na internet e faz pose de intelectual. Mesmo que a pesquisa não sirva pra nada, haha…
(próxima crônica: “FORMAÇÃO DO POVO PARNASIANO”)
[1] Indivíduos que defendem a masculinidade, centrada na simbologia pagã do culto a Kid Bengala (Phallus, pênis), como poder dominante sobre toda a sociedade.
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Escute o texto com a narração do próprio autor: