Recém-criada, a Academia Piauiense de Cultura – APC valoriza e defende a cultura piauiense nestes tempos difíceis por que passamos em nosso país, cuja politica educacional e cultural vive momentos de grande provação, em decorrência das dificuldades resultantes da inconcebível política de desvalorização.

 

Esta Academia surge, assim, como uma manifestação de resistência social por entender que é através da cultura que o povo se liberta da opressão, do obscurantismo, fortalecendo o sentimento de identidade enquanto nação, em defesa de virtuosos valores próprios que o identifica.

 

Não cumprirá sua razão de existir se não for aberta ao tempo, que não defenda a liberdade de expressão cultural em que se priorize, e se valorize, a vida digna que se expressa através das diversas formas do conhecimento, seja através da arte, seja fotografia, artes plásticas, música, letras, folclore, e de tantas outras que nos identificam, nos aproximam.

 

Não se constitui em uma Academia presa entre quatro paredes, a cultuar o ego de 2022 seus acadêmicos, com o propósito de enriquecer o currículo de muitos. Ela será aberta ao tempo, a dialogar com a população em sinergia, acolhendo as letras, as línguas, as artes e as ciências.

 

Temos compromisso com a CULTURA e com a HISTÓRIA! Por esta razão, esta Academia Piauiense de Cultura vem a público para externar sua indignação contra o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips na região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, cobrando punição exemplar para seus autores.

 

Este crime tem um claro propósito de intimidação daqueles que arriscam a própria vida em defesa da Floresta Amazônica e das nações indígenas que esta floresta abriga. Trata-se de uma conhecida premissa do modo de produção capitalista que pressupõe o domínio sem limites do homem sobre a natureza, esgotando-a no futuro, e levando junto à floresta, os índios, a fauna e a flora ali existentes. Possui, assim, todos os ingredientes de uma tragédia humanitária previamente anunciada!

 

Por considerar que a consciência democrática constitui um pilar da cultura de que precisamos, esta Academia considera que o assassinato perpetrado contra o indigenista e o jornalista fere a humanidade e compromete o futuro da Floresta Amazônica, que está sendo vilipendiada e queimada em grande escala sob o olhar complacente do poder público e com preocupação do mundo.

 

Ao reduzir os quadros efetivos da FUNAI e demais instituições naquela região, como vem se acentuando nos últimos anos, o Estado brasileiro dá preocupante sinais de uma inconcebível leniência com a ação impune de organizações criminosas, de traficantes de madeira e de peixes, das riquezas minerais existentes em terras indígenas.

 

Brasil defendem? A quais interesses os gestores do Brasil defendem? Afinal, aparentam ignorar a Constituição Federal de 1988, que diz: são bens da União o lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, os recursos minerais, inclusive os do subsolo. À União compete assegurar a defesa nacional.

 

Ressalte-se que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público; proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; e preservar as florestas, a fauna e a flora.

 

Em nossa Carta Magna em vigor os direitos dos índios estão previstos em capítulo especifico (Titulo VIII, da Ordem Social, Capítulo VIII, dos indios). A lei nº 6001/73 trata do Estatuto do Índio.

 

Todo este amparo legal em vigor não impede que o Estado brasileiro seja visto como um dos principais algozes dos Povos Indígenas, quando evidencia a omissão do Poder Executivo ao descumprir prazo para demarcação das terras indígenas (art. 67 do ADCT da CF/88); quando se percebe a atuação tendenciosa do Poder Legislativo ao barrar processos de demarcação de terras indígenas e promove a distribuição de terras para o agronegócio; quando interpretações do Poder Judiciário subvertem o sentido da norma constitucional (como é o caso da tese do “Marco Temporal e o Esbulho Renitente”).¹

 

Bruno da Cunha Araújo Pereira, servidor da Fundação Nacional do Índio FUNAI por nove anos, foi exonerado em 2019 da Coordenadoria que cuida de índios isolados e de recente contato. Encontrava-se há um ano na função. “Era apontado como um defensor dos povos indígenas e atuante na fiscalização de invasores, como garimpeiros, pescadores e madeireiros”. Faz sentido o comentário feito por um pesquisador, de que “não tivesse estrangeiro, Bruno seria só mais um”. Sua vida não pode ter sido em vão, a exemplo do jornalista Dom Phillips.

 

O direito à vida, previsto no art. 5º da Constituição Federal de 1988, está situada no campo dos direitos e garantias fundamentais. Para que serve, se não for cumprida punida para quem lhe dá fim? Ou a nossa Constituição escrita “tem suas raízes nos fatores do poder que regem o país”, segundo prevê Ferdinand Lassalle? Afinal, a Constituição do país nada mais é do que uma folha de papel que expressa a vontade dos detentores do poder, aplicando-a quando lhes convém?

 

Mais pessoas têm sido covardemente assassinadas no Brasil por defenderem a nossa floresta amazônica, a exemplo de Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988 na porta de sua casa, em Xapuri, no Acre, por Darcy Alves da Silva, a mando de seu pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva. Em 1987, Chico Mendes havia recebido da ONU condecoração por sua luta em defesa do meio ambiente.

 

A religiosa Dorothy Mae Stand, conhecida como irmã Dorothy, líder que defendia reforma agrária no Brasil, quando se encontrava com 73 anos de idade, foi assassinada em Anapu, sudoeste do Pará, a mando de fazendeiros.

 

Até hoje não foi esclarecido pela Polícia Federal do Amazonas o assassinato do indigenista Maxciel Pereira dos Santos, ocorrido em setembro de 2019, com dois tiros na nuca na avenida da Amizade, principal via pública de Tabatinga – AM.

 

O Estado de Direito Democrático brasileiro precisa resistir a estes tempos sombrios em que campeia o radicalismo, a impunidade e a crescente sensação de abandono da União em defesa do povo que representa, de nossas riquezas nacionais, nelas incluindo os povos indígenas e a floresta amazônica.

 

Se um grande povo não acreditar que a verdade somente pode ser encontrada nele mesmo […], se ele não crer que apenas ele está apto e destinado a se erguer e redimir a todos por meio de sua verdade, ele prontamente se rebaixa à condição de material etnográfico, e não de um grande povo. Um povo realmente grande jamais poderá aceitar uma parte secundária na história da humanidade, nem mesmo entre os primeiros, mas fará questão da primaria Uma nação que perde essa crença deixa de ser uma nação. (Dostoievski 1871)

 

O Brasil precisa se reencontrar, com urgência, antes de ver destituído, em definitivo, de suas riquezas, de suas conquistas, de seus valores, de sua identidade, de sua cultura!

 

¹ CHAVES, Eduardo Deziderio. Os Direitos dos Povos Indigenas na Constituição de 198 In https://eduzirio jusbrasil.com.r. Acesso: 17.06.22.

 

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