O CASTELO DO THOR E O PAPAI NOEL NADA HAVER

 

Vitor de Athayde Couto

 

Nada haver? Bem feito, quem manda passar o dia inteiro zapeando nas redes sociais? E ainda tem que traduzir nd hvr (nada haver). Melhor ajustar o título:

 

“O Castelo do Thor e o papai-noel-nada-a-ver”.

 

Hipótese: todo mundo adora contar (e ouvir) mentiras.

 

Faz tempo. Uns seis ou sete anos. É…ra Natal. Levei meu pequeno sobrinho pra ver o Papai Noel no “Castelo do Thor”. De longe, lá do meio da Praça do Boi, já se podia ver o tamanho da fila. Desistimos. Na praça, comentavam que o tal papai noel era um antigo bedel de colégio (caça-gazeteiro, que nem o seu Miguel, da revista Luluzinha). Ele botava as criancinhas no colo e distribuía uns pequenos objetos chinguelingues, embrulhados pra presente.

 

Nada a ver ou tudo a ver? Ora, ninguém melhor do que um bedel pra se fantasiar de papai noel, desses bem tradicionais, que vivem aterrorizando as criancinhas, assim, ó:

 

“Obedece papai e mamãe? Vai à escola todo dia? Não chega atrasado? Não morde seu irmãozinho-caçula-que-botou-você-no-canto? Não come terra, sabonete, vela, cabeça queimada de palito de fósforo? Nem meleca? Nem a ração do gato? Não? Então, táqui seu presentinho. Até paroano!”. Foi assim que o esperto papai noel despachou o bruguelo, antes que ele mijasse a sua fantasia santaclaus meidinchina. Sabia não? Pois os chineses exportam até imagens de Nossa Senhora de Fátima, bem barata. Mas a imagem que já vem abençoada, via Portugal, é um pouco menos barata.

 

O evento lembrava fila no posto de saúde. A consulta não podia passar de um minuto, senão a fila não andava. Felizmente o pau de selfies ainda não tinha sido inventado. Agora, pense, se fosse hoje. Pense no tamanho da fila pra fazer selfies com papai noel.

 

Depois de prometer levar meu sobrinho à loja de importados, ele se aquietou e fomos visitar o castelo. Pra visita também tinha fila, mas, como se tratava de uma “atividade cultural”, a fila era minúscula. Fomos recebidos por uma estagiária de crachá, dessas terceirizadas, lotada em alguma secretaria-de-plantão. Pela camiseta (t-shirt, em parnasianês) e pelo nível, devia ser universitária, matriculada em algum curso superior de histórias mal contadas. Sem ninguém perguntar nada, ela vai logo recitando a história do castelo, bem no estilo-menino-de-Olinda. Se alguém interrompe, ela esquece o resto e tem de começar tudo de novo, desde o início da ladainha. Claro que ficamos quietos, temendo que aquilo fosse demorar muito. Lembro de alguns trechos:

 

Nome do castelo: “Castelo do Thor”, disse a estagiária.

 

Profissão do proprietário que construiu o castelo: “maquinista de trem”.

 

Por que construiu um castelo em vez de uma casa normal: “porque ele amava muito a sua esposa. Ele tratava ela como se fosse uma princesa. Porbem, se era princesa, tinha que ter castelo, não é?” As crianças confirmaram, timidamente, balançando as cabecinhas, sempre assustadas e sem arredar o pé da fila.

 

A janelinha no alto da torre: “tão vendo aquela janelinha? Era lá que a esposa do seu Thor ficava esperando o trem chegar da praia. Quando o trem passava em frente ao castelo, o maquinista apitava e a esposa acenava pra ele. Vestida de branco, jogava muitos beijos, a mão no coração. Entenderam?” (cabecinhas sempre mudas, balançando afirmativamente). “Pois foi pra isso que o maquinista Thor construiu o castelo.”

 

Pra minha surpresa, uma menininha perguntou, muito curiosa:

 

“Ei, tia, e como é o nome da princesa?”, ao que a estagiária respondeu prontamente:

 

“Frozen! Agora, vamos ver o jardim. Cuidado para não pisar nos anões, eles mordem. E depois…”.

 

Muito tempo antes da internet e do gúgli, quando eu ainda era menino, as pessoas referiam-se àquele castelo como sendo o “Castelo do Tó”. Diziam também que Tó era o apelido de um português muito rico chamado António. Se fosse pobre seria Tõi. Nera não?

 

(próxima crônica: “MENTIMOS A CADA OITO MINUTOS”)

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Escute o texto com a narração do próprio autor: