O DELTA DO PARNAÍBA

 

Vitor de Athayde Couto

 

Neste 3 de abril de 2023 o Globo Repórter completa 50 anos. Meio século de matérias repetitivas, que são exibidas em todos os verões. Mesmo assim, os repórteres sempre dão um jeito de descobrir e divulgar mais um novo cantinho de praia intocado que logo será objeto de especulação imobiliária – se duvidar, com apoio de “empreendedores” oportunistas.

Uma das reportagens especiais mais recorrentes trata do Delta do Parnaíba e seus principais apelidos: lençóis maranhenses, e, agora, lençóis piauienses. Haja imaginação. Pra não falar de outros apelidos, como enduros, rotas das emoções, do peixe-boi, do kite surf, dos cavalos-marinhos, dos tabuleiros litorâneos e outras tantas rotas. Fico aqui me perguntando o que será que vão apresentar nos próximos 50 anos. Mais do mesmo? Dunas, lagoas, macacos, caranguejos, revoada dos guarás… se ainda existirem.

Atendendo a insistentes pedidos de amigos, comecei a ver mais um especial sobre o Delta. O vídeo dura 42 minutos, mas não consegui passar do sexto minuto. Por quê? Pelo menos duas razões importantes fizeram-me desistir. A primeira, óbvio, por ser mais do mesmo. A segunda, pela desinformação. Bastam dois exemplos pra perceber, logo no início, que a coisa é tocada na base do improviso, sem estudo nem pesquisa.

No primeiro exemplo, um bugio ruivo é apresentado como o “animal terrestre mais barulhento do planeta”, quando existem vários outros animais que disputam esse mesmo pódio. O tema é controverso porque há outros fatores que tornam essa avaliação muito complexa. Um deles é a proporção, ou seja, a relação entre os decibéis e o tamanho do animal. Esse intervalo é tão amplo que pode ir desde um pequeno percevejo até a hiena, ou uma gigantesca baleia, se se incluírem os animais não terrestres.

O segundo exemplo refere-se a uma tal “ancestralidade das marés” (sic). E eu que pensava ser a ancestralidade relacionada com tradição, gerações de antepassados, origem de um povo.

Não sei e, provavelmente, nunca saberei o que tem após esses primeiros seis minutos. Mas faço uma sugestão para quem quiser assistir ao vídeo: desligue o som e aprecie as imagens que ainda sobrevivem. Até porque o som, além da desinformação, traz sempre más notícias a cada ano, como a degradação ambiental.

Dona Cátia, uma marisqueira entrevistada, declarou: “Anos atrás, eu pegava 50kg de marisco por dia.” Hoje, o máximo que ela consegue são 6kg, sendo obrigada a pagar transporte para ir mariscar cada vez mais longe. Por quê? “Porque tudo está sendo aterrado”. Dona Cátia não mente. Nem os pescadores, obrigados a ceder espaço para lanchas e jet-skis. O barulho dos motores, além de desagradável, afasta os peixes que ainda restam. Em seguida, virão novas mentiras: esses mesmos pescadores serão chamados de preguiçosos, não querem mais pescar, e só querem saber de bolsa-família. É a velha classe média sendo classe média.

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Ouça o texto narrado pelo autor: