O DIA EM QUE PELÉ NOS SALVOU 

Vitor de Athayde Couto

Não posso deixar de registrar este fato verdadeiro, nem de prestar uma singela homenagem ao maior de todos os brasileiros:

Em 1976 ganhei uma bolsa do governo francês para fazer um doutorado. Concluídos os créditos na Paris I Panthéon-Sorbonne, a coordenação do curso designou meu orientador de tese na Universidade de Toulouse, para onde nos mudamos, eu e minha família.

Como Toulouse fica mais perto de Andorra, Espanha, Portugal e Itália, aproveitamos as férias do verão 1978 para viajar, começando por Lourdes.

Um colega uruguaio, que tinha acabado de concluir o doutorado, vendeu-me o seu velho e inquebrável fusca alemão, por um bom preço. Na primeira fronteira apresentei a carteira de residente, emitida pelo Ministério de Relações Exteriores da França, achando que não ia ter problemas. Mas o guarda mandou encostar o carro e ficou olhando em volta. Em seguida, pediu nossos documentos pessoais. Ao ver os passaportes, os olhos do guarda brilharam e ele exclamou em voz alta: Brasil! Pelé! E mandou a gente seguir, mas só depois de explicar que o carro não devia trafegar naquelas condições. É que a lataria estava tão amassada que levantava a suspeita de ter acontecido algum acidente. Um pouco de ferrugem também ajudou, porque revelava que as batidas não eram recentes. Mas, na hora agá, não resta dúvida, quem nos salvou mesmo foi o Pelé.

Por quê? Explico.

Nas fronteiras seguintes eu passei a apresentar somente os passaportes brasileiros. Assim, os guardas “nunca viam” os amassados do carro, e todos, absolutamente todos, diziam a mesma coisa: Brasil! Pelé!

Cada vez que ouvia isso, meu filho mais velho, de 7 anos, dizia, todo sorridente:

– Já estou começando a entender francês, espanhol, italiano… Eles falam igual. É tudo a mesma coisa: Brasil! Pelé!

Dezesseis anos depois, quando eu fazia um pós-doutorado, já eram quatro os filhos que formavam dois lindos casais. Fomos ao SPA Francochamps torcer por Ayrton Senna, outro grande brasileiro, embora nem tanto quanto Pelé.

Na volta pra casa, pernoitamos na Antuérpia. Enquanto eu fazia o nosso registro na recepção do hotel, as crianças brincavam no saguão. Sentado numa poltrona, um hóspede idoso e muito simpático observava a brincadeira e começou a lhes falar em bom português. Depois, em francês. No meio da conversa ele perguntou às crianças:

– Quantas línguas vocês falam?

Sem hesitar, eles foram respondendo, orgulhosos e seguros de si:

– Português, francês, espanhol… e um pouco de italiano.

– Ora, ora… Significa que vocês só falam uma língua, pois isso tudo é latim – respondeu o velhinho.

E prosseguiu:

– Quem fala várias línguas sou eu, que sou grego, estou falando francês com vocês e também posso falar flamengo, alemão, inglês, russo, mandarim e até um pouco de árabe.

Um raro e inesquecível silêncio infantil interrompeu as brincadeiras.