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No ano passado foi amplamente divulgada na imprensa a descoberta de um erro de metodologia no cálculo de reajuste das tarifas de energia elétrica, o que provocou, entre 2002 e 2009, cobrança a maior na conta de cada consumidor. Esse equívoco foi reconhecido pelo Ministério das Minas e Energia e pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) que, inclusive, retificou, em 2010, a forma de cálculo, visando corrigi-lo.

É, pois, fato inconteste que, durante sete anos, foi cobrada do consumidor quantia indevida, logo, por força de lei, teria ele direito à repetição de indébito, no valor igual ao dobro do que pagou em excesso (Art. 42, parágrafo único do CDC).

Segundo disposto no artigo 927 do Código Civil Brasileiro, “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. O ato ilícito é caracterizado pelo dano causado “por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência”.

Ora, se a Aneel aplicou erradamente o reajuste das tarifas de energia elétrica, agiu, no mínimo, de forma negligente e praticou, portanto, ato ilícito. Como se não bastasse, contrariando a legislação, ainda decidiu pelo não ressarcimento da importância paga a maior, sob o pretexto de que “a aplicação retroativa do novo sistema de reajuste das tarifas não tem amparo jurídico e sua aceitação provocaria instabilidade regulatória ao setor elétrico”.

Assim, a prevalecer o argumento da Aneel, o consumidor deverá arcar sozinho com o prejuízo de R$ 7 bilhões, que foram cobrados indevidamente pelas distribuidoras de energia elétrica entre 2002 e 2009, cuja quantia, certamente, já foi convertida em lucro por tais distribuidoras.

Recentemente, em Dezembro de 2012, esse caso teve mais um desdobramento: o TCU decidiu que não tem competência “para definir se a Aneel e as distribuidoras precisam ou não ressarcir os consumidores em R$ 7 bilhões por erro no cálculo dos reajustes das contas”, porque “o erro nas contas de luz trata-se de uma relação de consumo, que não está ao alcance das deliberações do Tribunal de Contas”.

Segundo informações contidas no Jornal “O Estado de São Paulo”, em setembro de 2012, “o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, havia dito que o governo não trabalhava com a hipótese de devolução dos recursos. A Aneel diz que não há devolução a ser feita. Então esses recursos surgiram da imaginação de alguém e, na prática, não há o que ser devolvido, disse Lobão na ocasião”.

Não havendo vontade de restituir a quantia recebida indevidamente, nem deliberação administrativa neste sentido, só resta ao consumidor recorrer à Justiça Comum, e, certamente, é isso que o aparato estatal mais deseja, porque sabe que a maioria dos consumidores não demandará na Justiça, por desconhecimento total da matéria ou porque, na relação custo-benefício, não compensa, para cada um deles, o litígio.

A impressão que se tem é de que compensa ao aparato estatal desrespeitar direitos e praticar ilegalidades, e este exemplo repercute no comportamento de grande parcela da população que passa a aceitar como regra os maus costumes e a violação das leis, como forma de obter vantagem, sem se importar com a ética e a moral.

Ao pensar neste tema, lembrei-me das palavras do Desembargador Meton Marques de Lima, no prefácio do Livro “Precatório ou Protelatório?”, de autoria do advogado Dr. João Pedro Ayrimoraes Soares, quando ele, o prefaciador, afirma que “na verdade, no Brasil, vive-se um Estado de delinquência em vez de um Estado de Direito”. E questiona ao falar sobre a falência ética do Estado no descumprimento dos precatórios: “Ora, se o órgão que deveria dar o exemplo de fidelidade à lei que ele mesmo ditou à sociedade vem a ser o mais claudicante, que moral terá para exigir conduta legal dos cidadãos?”.

Sabe-se que o atraso na conta de luz acarreta não só a cobrança, como também o corte de energia, o que, convenhamos, é um absurdo por expor o consumidor ao ridículo e, ainda, por tratar-se de um serviço essencial à população.

Eu pergunto: se aquele que deveria dar o exemplo de fidelidade à lei praticou ato ilícito e não ressarciu os prejuízos do consumidor, que moral terá para suspender a prestação de um serviço que é essencial ou cobrar uma dívida decorrente do atraso de uma conta de luz?

E assim os maus exemplos se difundem…