O FRANGO, O CHURRASCO E O OVO

 

Vitor de Athayde Couto

 

 

– “Era uma vez…” – escrevia Anaïs.

 

– Não, não dá mais pra começar uma narrativa assim – disse Mani.

 

– Então… o que você acha de “Fazia frio em torno do meu coração”?

 

– Melhorou. Assim, sua redação vai ficar ótima, combina com o novo normal.

 

– Diabéisso?

 

– Quem sabe? Melhor esquecer. Essa gente tem mania de dar nome às coisas, antes mesmo de elas acontecerem.

 

– Como assim?

 

– Difícil explicar. Mas um exemplo talvez ajude.

 

Mani lembrou uns vídeos que circulavam nas redes sociais, anunciando a quarta revolução industrial. Felizmente sumiram. Na história das revoluções industriais, até a terceira, nenhuma delas foi planejada, nem anunciada com tanta antecedência. O termo “revolução” só se aplica depois que analistas competentes identificam transformações radicais, enquanto algum novo paradigma aos poucos vai dominando o ambiente de negócios, as relações de trabalho, os fundamentos macroeconômicos…

 

– Sim, mas, o que isso aí tem a ver com frango, churrasco e ovo?

 

– Tudo a ver, miga. Pense no frango, no churrasco e no ovo, como se fossem o resultado de inovações competitivas e representativas de três políticas socioeconômicas: o Plano Real, o Fome Zero, e…

 

– E…? Diga logo, por favor.

 

– Dizer o quê? Não me ocorre nada, desculpe. No futuro, os historiadores vão recorrer aos arquivos e poderão constatar que o frango virou símbolo do Plano Real. Com preços e câmbio sob controle, o Brasil tornou-se competitivo na exportação de frango para o mercado global. O setor atingiu uma escala de produção tão extraordinária, que o preço do frango caiu significativamente.

 

– Verdade. Lembro que minha avó falava assim: “pobre só come frango quando um dos dois está doente”, haha.

 

– Ou, então, quando a família recebia visita do pároco. Eu conheci um padre cujo apelido era “Cemitério de Galinha”. Ele tinha um barrigão e vivia se queixando, pois não agüentava mais comer galinha. No auge do enjoo, ele inventava alguma doença só para suspender as visitas aos fiéis.

 

– Porém, no Plano Real, não era só o padre. Todo pobre podia comer frango.

 

– Sim, é verdade, mas, acontece que pobre também enjoa. Aí, veio a segunda política: o combate à fome, associado à elevação do rendimento médio dos brasileiros. Um novo mercado impulsionou a economia, do churrasco às viagens. Até pra Disney, miga!

 

– E agora?

 

– Não sei. Mas apareceu um estranho no ninho que bota ovo todo dia. Até porque, para alguns, comer carne de gado é considerado canibalismo.

 

– É o dono do carro do ovo?

 

– Talvez sim, talvez não.

 

– Tindí nada.

 

– Nem eu, miga. Mas pelo menos uma das maiores questões filosóficas finalmente foi resolvida: o frango veio antes do ovo. Viu como o Brasil não é assunto para amadores?

 

– Verdade. Deve ser por isso que abriram muitos cursos superiores privados de Antropofagia Científica. As agências que vendiam cruzeiros e pacotes para a Disney estão falindo. Viagens, agora, não passam de pequenos deslocamentos até o cercadinho da nova casa da dinda, em Brasília. Tudo pago, com direito a selfies ao lado do Mickey, Huguinho, Zezinho e Luizinho. Ah, e do Pateta.

 

Com um pouco de sorte, o Zé Carioca também pinta por lá, com seu terno verde, gravata amarela… Mas ultimamente ele anda sumido.