SEMANÁRIO JURÍDICO. EDIÇÃO DE 01.07.2022
JOSINO RIBEIRO NETO
OS EFEITOS DA PANDEMIA NOS CONTRATOS.
A pandemia da COVID-19, causou danos na vida das pessoas de toda ordem. Além dos problemas de saúde, que levaram a óbitos muitos que foram infectados pelo vírus letal, outros ficaram internados por longo período em hospitais, restando sequelas graves, que perduram até hoje, não foi menos graves a situação financeira, em especial, das empresas, que suspenderam suas atividades e muitas não retornaram mais à ativa, por se encontrarem em situação falimentar.
Particularmente, em relação às empresas privadas de ensino, depois de difícil e demorado processo de adaptação, passaram a ministrar aulas on line, isto é, pelo sistema virtual, mas, de rendimento de pouco aproveitamento. Foi, sem dúvida, um improviso, na tentativa de minimizar o prejuízo causado ao alunado.
Mas, em determinadas situações, por decisão judicial ou através acerto administrativo entre as partes, alguns contratos tiveram suspenso os respectivos cumprimentos, haja vista a inadimplência involuntária causada pela Pandemia, desde que comprovada que o descumprimento da avença resultou de fato imprevisto e de excessiva onerosidade.
Em relação aos colégios de ensino particular, a situação se constitui um caso à parte, desde que comprovada a viabilidade de atendimento aos alunos, mesmo via internet, pois não se comprova a suspensão total das atividades.
Em sede de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em decisão recentíssima firmou judicioso posicionamento, que a coluna transcreve à guisa de informação aos interessados.
DIREITO CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR.
REsp 1.998.206-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/06/2022.
Inadimplemento contratual. Direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos advindos da pandemia da Covid-19. Redução proporcional do valor das mensalidades escolares. Continuidade da prestação dos serviços. Equilíbrio econômico e financeiro. Inviabilidade na redução do valor da mensalidade.
DESTAQUE – A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com a redução proporcional do valor das mensalidades.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR DO JULGADO.
A solução da controvérsia passa pela análise das regras e princípios em torno do inadimplemento contratual (ainda que parcial), sobretudo no âmbito das relações de consumo, indagando-se se, em tal cenário, se é possível ao consumidor invocar o direito subjetivo da revisão contratual diante dos efeitos advindos da pandemia da Covid-19, como fundamento para autorizar a redução proporcional do valor das mensalidades escolares.
Cabe anotar, inicialmente, que há consenso doutrinário no sentido de que as relações contratuais privadas são regidas, em linha de princípio, por três vertentes revisionistas, quais sejam a) teoria da base objetiva do contrato, aplicável, em regra às relações de consumo (art. 6º, inciso V, do CDC); b) a teoria da imprevisão (art. 317 do CC) e; c) a teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC)
Para a revisão do contrato com base na teoria da imprevisão ou da onerosidade excessiva, previstas no CC, exige-se ainda que o fato (superveniente) seja imprevisível e extraordinário, e que deste fato, além do desequilíbrio econômico e financeiro, decorra situação de vantagem extrema para uma das partes, relacionando-se, portanto, à vedação do enriquecimento ilícito.
No caso da pandemia causada pelo coronavírus, dúvida não há quanto aos efeitos nefastos causados na economia mundial e nas relações privadas.
Considerando o arcabouço normativo sobre o tema, embora os efeitos decorrentes da pandemia revelem-se supervenientes e capazes de alterar as bases objetivas em que celebrado o contrato, não parece evidenciado o desequilíbrio excessivo na relação jurídica apta a autorizar a redução do valor das mensalidades.
Sobressai como ponto central a ideia de que a revisão dos contratos em razão da pandemia não consiste em decorrência lógica ou automática, devendo-se levar em conta, sobretudo, a natureza do contrato e a conduta, tanto no âmbito material como na esfera processual das partes envolvidas.
A análise do desequilíbrio econômico e financeiro deve ser realizada, portanto, com base no grau do desequilíbrio e nos ônus a serem suportados pelas partes, na específica situação de o evento superveniente não se encontrar na esfera de responsabilidade da atividade econômica do fornecedor, como ocorre no caso em análise.
Ademais, como visto, os princípios da função social dos contratos e da boa-fé, deverão ser sopesados com especial rigor, a fim de bem delimitar as hipóteses em que a onerosidade sobressai como fator de inviabilidade absoluta do negócio – situação que deve ser reequilibrada, tanto pelas como pelo Poder Judiciário – e aquelas que revelem ônus moderado ou mesmo situação de oportunismo para uma das partes.
Nesse contexto, embora os serviços não tenham sido prestados da forma como contratado, não há se falar em falha do dever de informação ou desequilíbrio econômico financeiro imoderado para a consumidora.
A mera alegação de redução de condições financeiras da recorrente, por sua vez, e o incremento dos gastos com serviços de tecnologia, não inviabilizaram a continuidade da prestação dos serviços.
A afirmação de que teria havido diminuição dos custos da escola, por outro lado, além de não se evidenciar como requisito à revisão com base na quebra da base objetiva do contrato, não é a tônica da revisão com fundamento na quebra da base objetiva do negócio, não se compatibiliza com os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na especial conjuntura econômica e social que a todos assolava o país à época.
A diretriz da boa-fé deveria ser observada, portanto, especialmente quando os ônus suportados pelo consumidor não se revelaram desmesurados ou impeditivos do alcance da função do contrato.
É ainda a mesma diretriz responsável pela interpretação da situação da pandemia, no caso concreto, como hipótese de fortuito externo, apto a afastar a responsabilidade da escola.
CONTRATO DE SEGURO. DEMORA DA SEGURADORA NO CUMPRIMENTO DE SUA OBRIGAÇÃO.
O problema das empresas seguradoras no Brasil, no plano geral é grave, pois sempre afrontam os direitos dos segurados, com defesas injustificadas, fundamentadas em interpretações de seus contratos, que são de adesão, à moda de cada uma, cujo objetivo reside, tão somente, em descumprir seus deveres.
É muito comum que em casos de sinistros, onde pessoa física ou jurídica, não obstante o prejuízo sofrido (incêndio, acidente de transito, etc.), a seguradora demora no cumprimento de pagar o que é devido ao segurado, restando, para este, prejuízos consideráveis, o que poderá motivar o ressarcimento de danos, inclusive lucros cessantes, se for o caso, resultante do prejuízo advindo da demora da cobertura pactuada.
Sobre a matéria a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo calha à fiveleta:
“Configura ato ilícito a demora de seguradora em efetuar a cobertura de sinistro ocorrido em estabelecimento comercial. Se, em consequência, o segurado tem que desativar seu negócio por longo período, deve ser indenizado por perdas e danos, incluindo-se os lucros cessantes.” (TJSP, 1ª C., Ap. in RT 618/50).