Foto do site www.luizasawya.com
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Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva nasceu na vila de São João da Parnahiba, na capitania de São José do Piauhy, no distante ano de 1786, ou 1787. Faleceu na vila de Piraí, no Rio de Janeiro, aonde foi sepultado, no dia 11 de janeiro de 1852. Em 1853, foi inventariante seu filho Olímpio Herculano Saraiva de Carvalho, documento sob a guarda do Arquivo Público de Piraí.

Foram seus pais, Antônio Saraiva de Carvalho e Margarida Rosa da Silva, família abastada do litoral piauhyiense. Nesta época, a educação escolar era praticamente inexistente na capitania, embora, em 1774, a vila parnahibana, nos escritos do ouvidor Antônio José de Morais Durão, tivesse uma população de 2694 pessoas, distribuídas em 444 fogos (residências familiares), 79 fazendas e 500 sítios de plantar. Para as famílias de poder econômico, restava a difícil tarefa de enviar seus filhos aos maiores centros. Foi assim, que o menino Ovídio, com apenas seis anos de idade, em 1793, foi embarcado, no Porto das Barcas, o atracadouro parnahibano, com destino a Portugal. Coimbra era um dos centros acadêmicos preferidos, e para lá se dirigiu o pequeno braziliense, em busca do diploma de Leis, cidade que dizia ser a penedo da saudade. Em Poemas, em seu soneto LXII, faz referência ao penoso exílio:

Passaram lustres três, e mais três anos

Que à Estancia dos mortais volvi do nada

Mas bem que inda não seja adiantada

Minha idade, sofrido hei já mil danos

Além dos torvos mares desumanos

Recebi dos meus Pais a vida ervada

E contando anos seis, à Pátria amada

Arrancaram-me os Pais com vis enganos

Então, em 1805, Ovídio estava matriculado no curso de Leis da Universidade de Coimbra. Para o seu reitor, Manoel Paes de Aragão Trigoso, Conego Arcediago da Sé de Viseu, dedicou o seu primeiro livro – Poemas, escrito em 1808, quando era aluno do 4º ano. O livro é o início da trajetória literária do Piauí, sendo o marco histórico impresso na Tipografia da Universidade, sob licença da Mesa do Desembargo do Paço, a quem competia a censura dos livros a serem publicados no reino português. No livro, as influências do poeta Bocage se fazem evidentes, predominando o neoclassicismo.

Folha de rosto do livro Poemas.
Folha de rosto do livro Poemas.

Atuante além das fronteiras da universidade, Ovídio participou do Corpo Acadêmico, nas lutas pela liberdade de Portugal, sob jugo das forças francesas. Em 1809, publicou Narração das marchas feitas pelo corpo militar acadêmico desde 21 de março, em que saiu de Coimbra, até 12 de maio, sua entrada no Porto, Escripta no palácio de Santa Cruz, em 3 de outubro de 1809, para Manuel Paes de Aragão Trigoso, lentes, deputados e mais pessoas do claustro pleno da universidade de Coimbra. O Corpo Acadêmico tinha como tenente coronel José Bonifácio de Andrada e Silva, a quem Ovídio chama de varão d’huma valentia sem termos. Na narração, ressalta: Eis aqui, ó Nação Portuguesa, o brilhante corpo, que te lustra e esmalta, e que com os livros na esquerda, e, na direita a espada, corre a desafrontar do gravame de ferro a triste pátria consternada. Considerava Napoleão, como apóstata da sociedade humana. Também com o mesmo tema da invasão francesa, publicou Os Sucessos da Restauração do Porto.

Ovídio compôs epitáfios que enviou à Junta de Montepio Literário. Para o mausoléu de Camões escreveu:

Eis o mais rico mausoléu do mundo:

Camoes o endeusa, o máximo dos vates.

Numen do genio, se da sorte o martyr,

Ind’é ñas cinzas o que foi na vida,

Grande, guerreiro, illustre, humano e tudo,

So nao é infeliz, que é sempre a campa

Leito de flores aos héroes como elle.

Patria dá-lbe boje o que negou-lhe a patria,

Construe-lhe altares, considera-o numen;

Justiceiro porvir Ihe vote o incensó.

Lusiadas, e nome, e gloria e cinzas.

Ignobil mausoléu! tenue offerenda!

Todo o mundo devera ser seu túmulo.

Emquanto vivo, a espada e a penna honraste,

Depois de morto, a espada e a penna t’honram.

Emquanto vivo, a patria desdenhou-te;

Depois de morlo, t’idolâtra a patria.

Аo nome leu a iradiçâo Iribiila

Na memoria (los liomens monumento).

Emquanto a gratidao te offerla as cirilas

Este arrogante, sepulchral portento.

Na esquerda a espada e na direita a penna, Poste, Camoes, assomhros dois no mundo ; Co’aquella a honra sustentaste a Lysia, Co’csta a gloria de Lysia lias dado aos evos. Aquí as cinzas, pelo mundo a fama.

Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva.

Em 1810, Ovídio Saraiva, com vinte e quatro anos de idade segundo o seu requerimento ao príncipe regente dom João, solicitando passaporte para ir ao Maranhão, e de lá passar ao Piauhy, levando consigo a sua esposa, Umbelina Joana Almadanino. Em 1812, foi nomeado juiz-de-fora da vila de Mariana, em Minas Gerais, ano em que publicou no Rio de janeiro, O Pranto Americano que a S.A.R., o Príncipe Regente N.S. em Honra das Caríssimas, e nunca bem pranteadas Cinzas do Sereníssimo Senhor Infante D. Pedro Carlos de Bourbon, Almirante General junto á Real Pessoa, e, O Patriotismo Acadêmico, este dedicado a dom João de Almeida de Melo e Castro, 5º Conde de Galveas.

Ovídio passou-se para a vila de Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, em Santa Catarina, onde exerceu o cargo de 2º juiz-de-fora, do crime, civil e órfãos, provedor dos defuntos, ausentes, capelas e resíduos, entre os anos de 1816 e 1819. Exerceu também o cargo de desembargador da Relação da província da Cisplatina. Na vila do Desterro, em 1817, o doutor Ovídio foi o precursor do teatro catarinense, quando promovia peças, nos salões de sua residência. Para essa atividade, escreveu a peça A Tragédia de Fayal, festejando a coroação de dom João VI. Lá, também promoveu os primeiros concursos literários catarinenses, onde inscrevia as suas poesias. Quando da restauração de Pernambuco depois da Revolução de 1817, Ovídio abriu o seu teatro particular e com plateia distinta, fez elogio sublime composto por ele mesmo, vestido de grande gala; em seguida foi apresentada a tragédia de Ignez de Castro. A vila iluminou-se por três noites, cantou-se Te Deum em ação de graças na presença da Câmara, tudo presidido pelo magistrado piauiense.

Eleito deputado provincial para representar o Piauhy nas Cortes de Lisboa, declinou do cargo, visto saber dos rumos políticos que tomava o Brasil, no Rio de Janeiro, caminhando para a sua Independência. Foi substituído pelo suplente padre Domingos da Conceição, pároco da vila da Parnahiba. Em 1821, no Rio de Janeiro, fundou o periódico O Amigo do Rei e da Nação publicado de março a junho de 1821. Impresso na Tipografia Real tinha linha editorial conservadora, afirmava ser protegido por Dom Pedro, defendia a continuidade do Reino Unido e a permanência de Dom João VI no Brasil.

Ovídio como membro do Apostolado da Ordem da Santa Cruz, uma maçonaria carbonária, onde estavam também dom Pedro e José Bonifácio, lutou pela Independência do Brasil. Na Confederação do Equador, defendeu irmãos que foram indiciados como partidários do movimento, em Pernambuco. Ao ver o seu amigo João Guilherme Ratcliff condenado ao fuzilamento no Rio de Janeiro, pediu auxílio à marquesa de Santos, para que implorasse a compaixão de dom Pedro I. Domitila batendo à porta do Imperador, este só lhe atendeu quando ouviu os estampidos dos tiros que sacrificaram seu irmão.

Entre 1826 a 1840, publicou: Às Saudozas cinzas do Illm.° e Exm.” Senhor João de Castro Canto e Mello, visconde de Castro, grande do Império. . . etc. Elegia offerecida a sua muita amada e prezada filha, a Illm.a e Exm.a Senhora Marqueza de Santos.; Considerações sobre a Legislação Civil e Criminal do Império do Brasil; Heroides de Olympia e Herculano; e, Jovens Brasileiros.

Quando, em 1810, Ovídio Saraiva retornou para o Brasil, percebeu que os portugueses, venerados nos versos de Poemas, não eram tão merecedores assim, da sua atenção poética. Depois de séculos de exploração do Brasil pela Metrópole, das lutas pela Independência, e do sacrifício de vidas pelo regime democrático, no Império de dom Pedro I, os brasileiros forçaram a sua abdicação. Com a saída do Imperador, Ovídio Saraiva escreveu, em 1831, a primeira letra para a música de Francisco Manuel da Silva, hoje o Hino Nacional Brasileiro, conhecido como Hino Sete de Abril, ou Marcha da Despedida, na abdicação de dom Pedro I, composição executada no dia 13 de abril, hoje, Dia do Hino Nacional (Lei N° 5700/1971):

Hino Sete de Abril

Letra: Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva

Música: Francisco Manuel da Silva

Os bronzes tirania

Já no Brasil não rouquejam

Os monstros que nos escravizam

Já entre nós não vicejam.

                                          (Refrão)      Da pátria o grito

Eis se desata

Desde o Amazonas

Até o Prata.

Ferros e grilhões e forças

De antemão se preparavam;

Mil planos de proscrição

As mãos dos monstros gisavam.

Refrão

Amanheceu finalmente

A liberdade no Brasil …

Ah! não desça à sepultura

O dia sete de abril.

Refrão

Este dia portentoso

Dos seja o primeiro.

Chamemos rio de abril

O que é Rio de Janeiro.

Refrão

Arranquem-se aos nossos filhos

Nomes e idéias dos lusos

Monstros que sempre em tradições

Nos envolveram, confusos.

Refrão

Ingratos a bizarria,

Invejosos de talentos,

Nossas virtudes, nosso ouro,

Foi seu diário alimento.

Refrão

Homens bárbaros, gerados

De sangue judaico e mouro,

Desenganai-vos, a pátria

Já não é vosso tesouro.

Refrão

Neste solo não viceja

O tronco da escravidão

A quarta parte do mundo

As três da melhor lição

Refrão

Avante honrados patrícios

Não há momento a perder

Se já tendes muito feito

Idem mais resta a fazer.

Refrão

Uma prudente regência

Um monarca brasileiro

Nos prometiam venturosos

O porvir mais lisonjeiro.

Refrão

E vós donzelas brasileiras

Chegando de mães ao estado

Dai ao Brasil tão bons filhos

Como vossas mães tem dado.

Refrão

Novas gerações sustentam

Do povo a soberania

Seja isto a divisa deles

Como foi de abril um dia

Refrão

Em 1841, um poeta desconhecido (talvez o próprio Ovídio) fez versos para a música de Francisco Manoel da Silva, para homenagear a posse de dom Pedro II:

Negar de Pedro as virtudes

Seu talento esquecer

É negar como é sublime

Da beça aurora, o romper

                          (Estribilho)                 Da pátria o grito

Eis se desata

Do Amazonas

Até o Prata.

Da pátria o grito

Eis se desata (2x)

Depois, Ovídio Saraiva refez a letra do Hino 7 de Abril, já que a mesma era julgada ofensiva aos portugueses:

Amanheceu finalmente

A liberdade ao Brasil

Não, não vai à sepultura

O dia Sete de Abril. (3x)

                          (Estribilho)                 Da pátria o grito

Eis se desata

Do Amazonas

Até o Prata.

Da pátria o grito

Eis se desata (2x)

Do Amazonas

Até o Prata.(2x)

Sete de Abril sempre ufano

Dos dias seja o primeiro

Que se chame Rio d´Abril

O que é Rio de Janeiro.(3x)

Estribilho

Uma regência prudente

Um monarca brasileiro,

Nos prometem venturoso

O porvir mais lisonjeiro.(3x)

Estribilho

Neste solo não viceja

A planta da escravidão;

A quarta parte do mundo

Deu às três melhor lição.(3x)

Estribilho

Lançados por mãos d´escravos

Não tememos ferros vis,

Ferve amor da liberdade

Até nas damas gentis.(3x)

Estribilho

Novas gerações sustentem

Da Pátria o vivo esplendor,

Seja sempre a nossa glória

o dia libertador.(3x)

Talvez a única gravação deste Hino, esteja na voz da cantora Luiza Sawaya, especialista em música brasileira do século XIX: A apreciação pela canção brasileira de câmara nasceu da minha identificação com a delicadeza dessas cantigas. A inesgotável criatividade rítmica melódica e poética da canção brasileira me seduz e me leva a divulgá-la.  (www.luizasawaya.com).

Luiza Sawaya é cantora soprano brasileira, atualmente residindo em Lisboa, Portugal.  Resgata e divulga a música do Brasil Imperial, procurando conhecer suas raízes.

Capa do CD Brasil Imperial de Luiza Sawaya. O disco gravado em Lisboa, em 1991, resgata O Hino Sete de Abril, com letra do parnahibano e piauhyense Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, e a música do maestro carioca Francisco Manoel da Silva, de 1831.
Capa do CD Brasil Imperial de Luiza Sawaya. O disco gravado em Lisboa, em 1991, resgata O Hino Sete de Abril, com letra do parnahibano e piauhyense Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, e a música do maestro carioca Francisco Manoel da Silva, de 1831.