PEROBA E PEREBA

 

Vitor de Athayde Couto

Dois irmãos conversavam:

– O Brasil é mais um desses países ricos de povo pobre. E de rimas pobres, também. Ão ão ão é a rima recordista. Seguem-se, pela ordem: eira eira eira, e ança ança ança.

– Não entendi.

– O quê? Não se lembra mais?

– Não.

– Jesus! Mas você estudou numa escola cívico-militar, com certeza deve ter recitado eira eira eira naqueles dias comemorativos.

– Não captei.

– Não? Então, veja se você se lembra desta: bandeira brasileira altaneira…

– Verdade, tinha umas rimas assim mesmo, eira eira eira.

– Sim, e também a grande mídia rimava criança com lembrança, esperança e outras anças, e os “poetas” aprendiam tudo isso na televisão haha.

Os irmãos Peroba e Pereba são gêmeos. Cresceram cantando suas mágoas. Peroba é o mais velho. Nasceu cinco minutos antes de Pereba, o irmão mais novo. Vivem mentindo e fobando, na maior cara de pau. Não se conformam em ser pobres. Pereba padece de amor por uma geminiana rica. Tem o peito tão ferido pelo sofrimento, que os seus pais agendaram para os dois um horário com o terapeuta. Logo na primeira sessão, saíram do armário e decidiram ser cornos para sempre. Cornos, um do outro. Se um deles arranja namorada, o outro traça logo a bendita. Sem nem pedir licença, um irmão passa o outro pra trás. E vice-versa. Assim, cada nova namorada dá lugar a uma nova traição, tanto de um lado quanto do outro. Com tanta experiência acumulada, de traição em traição, de dor de corno em dor de corno, compuseram uns troços que o povo chama de música, e formaram a famosa dupla sertaneja “Peroba e Pereba”. Gravaram, venderam tudo e ficaram ricos, sem precisar desmatar os cerrados, nem plantar soja, nem terceirizar trabalhadores semi-escravizados, daqueles que exalam cheiro de veneno. Pereba logo esqueceu a geminiana rica. Por serem bem-sucedidos entre as pessoas de bem, fizeram muito sucesso musical – menos pelo talento do que pelos patrocínios do agro. Para animar o desfile na passarela das exposições agropecuárias, cantam para ninar o gado, acompanhados pelo som de um berrante feito com seus próprios chifres. No auge da carreira, criaram uma empresa de eventos e se perderam no textão do batidão de limão, na recepção da colação, na finalização do volumão, no sabadão da traição de paixão, desilusão, churrascão, coração, bebezão, promoção, litrão, cervejão, pipocão, dogão, baião, arrotão, quentão, revisão, intensivão, piseirão, paredão, safadão, ressacão, sofazão, seleção, timão, brasileirão, domingão, eleição sem razão nem saldão no cartão ão ão ão. Tempos de assombração…

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