Relatório do Cadastro Nacional de Inspeções nos Estabelecimentos Penais (Cniep), divulgado mensalmente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), aponta que, atualmente, 62% da população carcerária do Piauí correspondem a presos provisórios, ou seja, 2.270 estão dentro do sistema penitenciário ainda aguardando julgamento.
Esse percentual, que varia de mês em mês e considerando as respectivas populações carcerárias de cada unidade da federação coloca o Piauí como sendo, hoje, o terceiro estado com maior número de presos provisórios do Brasil, ficando atrás de Amazonas (76,54%) e Bahia (63,04%).
Embora não conste no relatório os dados da Casa de Detenção Provisória de Altos que, hoje, segundo a Diretoria da Unidade de Administração Penitenciária da Secretaria de Justiça do Piauí, conta com 104 presos provisórios, elevando o número para 2.374, os dados refletem o quadro real da situação processual e prisional no Estado.
O Piauí conta com 16 estabelecimentos penais e com cerca de 3.700 presos para 2.230 vagas disponíveis no sistema.
Estatísticas sobre os primeiros meses de funcionamento das audiências de custódia em nove Tribunais de Justiça indicam que os presos autorizados a esperar pelo julgamento em liberdade raramente voltam a ser detidos por novos crimes. Nos Tribunais de Justiça do Espírito Santo, Mato Grosso, São Paulo, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Piauí e Bahia, o chamado índice de reingresso é de 4,05%. Das 6.513 pessoas que receberam liberdade provisória em audiência de custódia nesses nove estados, apenas 264 pessoas voltaram a ser apresentadas a um juiz por terem cometido um crime novamente.
Nas audiências de custódia, projeto difundido pelo ministro Ricardo Lewandowski e que já foi implantado nos 27 tribunais de Justiça do Brasil, os detidos em flagrante são apresentados a um juiz, que avalia se a pessoa precisa ficar sob custódia enquanto não é julgada. Fatos como a pessoa presa ser ré primária e o crime causar menor impacto à convivência social contribuem para que o acusado receba permissão de esperar ser julgado longe de uma prisão, muitas vezes sob a condição de cumprir uma medida cautelar, como o uso de tornozeleira eletrônica.
No Rio de Janeiro, nenhuma das 87 pessoas autorizadas a aguardar julgamento fora da prisão voltou a ser apresentada por cometer novo crime enquanto em liberdade provisória, de acordo com o relatório dos primeiros 26 dias de funcionamento do projeto do CNJ no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Outros dois tribunais registraram apenas um reingresso pós-audiência de custódia, desde o fim de agosto, quando a prática foi adotada no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) e no de Santa Catarina (TJSC). De acordo com informações dos TJCE, 195 presos tiveram liberdade provisória concedida em 40 dias de projeto. No TJSC, entre 1º de setembro e 13 de outubro, as audiências de custódia resultaram em 70 pessoas a menos no sistema prisional, pois não tiveram a prisão em flagrante convertida e preventiva.
Nas audiências de custódia realizadas no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco e no da Bahia (desde meados e fim de agosto, respectivamente), 471 pessoas foram liberadas provisoriamente enquanto não são julgadas e apenas seis pessoas foram presas novamente – três em cada estado. No Paraná, apenas duas pessoas foram reapresentadas em juízo por cometer novo delito enquanto em liberdade provisória, ao longo das dez primeiras semanas do projeto.
Espírito Santo tem o mais alto percentual de reingresso
O Espírito Santo tem o mais alto percentual de reingresso entre os nove estados do levantamento, 7%, mas segundo o juiz Carlos Eduardo Lemos, que realiza audiências de custódia semanalmente, o índice reflete o alto grau de acerto dos magistrados na avaliação sobre a necessidade das prisões. “O índice de acerto na concessão de liberdades provisórias é muito grande (93%), considerando-se o total de liberdades, e nos dá tranquilidade para continuar trabalhando”, disse.
O contato direto com o juiz é decisivo para dissuadir o criminoso a reincidir no crime, de acordo com o juiz do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES). “Eu olho nos olhos da pessoa e digo: ‘esse crime de que te acusam não é sem consequência. Haverá um julgamento’. E as pessoas têm entendido a mensagem. As audiências de custódia não têm por objetivo soltar por soltar, pois também somos cidadãos e sofremos da mesma violência urbana”, afirmou Lemos. Das 1.014 pessoas libertadas provisoriamente, 71 foram reapresentados à Justiça em audiência de custódia entre o fim de maio, quando o projeto do CNJ foi adotado pelo TJES, e 13 de setembro.
Em Mato Grosso, somente cinco presos voltaram a participar de uma audiência de custódia nos dois primeiros meses de funcionamento do projeto, iniciado no fim de julho no estado. No período, 362 pessoas presas em flagrante foram levadas a um juiz e 159 tiveram liberdade provisória concedida. Segundo o coordenador do projeto no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso (TJMT), juiz Marcos Faleiros, ainda é cedo para analisar se o baixo índice de reingresso será mantido a longo prazo. Faleiros acredita, no entanto, que a oferta de serviços sociais tem ajudado aos detidos a não cometerem novos crimes.
“São aplicadas várias medidas assistenciais às pessoas que recebem liberdade provisória, como o encaminhamento para emprego formal ou qualificação profissional. É importante, pois o subemprego e o desemprego são campo fértil para a criminalidade”, afirmou. Segundo o magistrado, ao oferecer oportunidades a quem mora na rua, muitas vezes por causa de dependência química, ou a quem esteja passando por outra situação de vulnerabilidade social, as audiências de custódia contribuem para reduzir os índices de criminalidade. “Essa estratégia das audiências de custódia funciona principalmente para os ‘mesocriminosos’, como chamamos quem comete crime em função da vulnerabilidade do seu meio social. Trata-se de um fator inibidor do crime”, afirmou Faleiros, que há oito anos lida com justiça criminal.
Se o baixo índice de reingresso repercute nos índices de violência, também impacta a quantidade de pessoas que entram no sistema prisional brasileiro, pois oito desses estados estão entre os dez com maior população carcerária no país. De acordo com os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen-MJ), em junho de 2014, 400.279 mil pessoas encontravam-se encarceradas em São Paulo, Espírito Santo, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Bahia. O número representa 65% da população prisional brasileira, que é de 607 mil presos.
Em São Paulo, apenas 4% de pessoas liberadas em audiência de custódia voltam a cometer crimes
Em São Paulo, estado que tem um em cada três presos do Brasil (219 mil pessoas), somente 4% das pessoas liberadas em audiências de custódia voltaram a cometer crimes desde o início do projeto, em fevereiro. As audiências evitaram que 4,2 mil pessoas entrassem no sistema prisional paulista, que recebe cerca de 9,3 mil presos por mês. Segundo o juiz responsável pelo projeto no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), Antônio Patiño, o baixo índice de reingresso impede que tantos presos ingressem nas prisões do estado, o que melhora o sistema carcerário ao enfraquecer o crime organizado. “Com as audiências de custódia, melhoramos o sistema prisional e a questão da violência ao desarticular o fomento aos soldados do crime. Conseguimos desviar com atenção estatal o ser humano do crime”, afirmou.
O baixo percentual de reingresso registrado até o dia 23 de setembro – apenas 178 novas prisões dentre as 4.445 liberdades provisórias concedidas – entusiasma o magistrado. “Sem dúvida que (o índice) constitui um alento para que nossa equipe se aplique para reduzir ainda mais esses números”, afirmou o juiz Patiño, que coordena o processo de expansão dos serviços prestados nas audiências de custódia. A equipe responsável pelo projeto passará a ser composta por 30 funcionários – atualmente são menos de 10 pessoas – e as seis salas hoje utilizadas pelo projeto serão nove dentro dos próximos meses.
A expansão vai melhorar a estrutura de encaminhamento social às pessoas que recebem liberdade provisória, uma das razões que explicam o baixo índice de reingresso em São Paulo, de acordo com o magistrado paulista. “Às vezes, o preso é um morador de rua, que chega aqui no fórum sem comer, sem sapato, sem identificação, sem saber ler. Graças aos serviços de assistência e inclusão social propostos, quando os presos chegam em situação de vulnerabilidade, inscrevemos a pessoa em um albergue, encaminhamos para um curso profissionalizante”, disse.
O CNJ lançou em fevereiro de 2015, em parceria com o Ministério da Justiça e o TJSP, o Projeto Audiência de Custódia. A iniciativa assegura que o preso seja rapidamente apresentado a um juiz quando houver prisão em flagrante. O acusado é então entrevistado pelo juiz, que também ouve representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública ou do advogado do preso.
Na ocasião, é analisada a legalidade da prisão. Consiste em uma oportunidade para o magistrado verificar eventuais casos de tortura ou maus-tratos entre o ato da prisão e a apresentação em juízo. Também são avaliadas a necessidade e a adequação da manutenção da prisão ou se é preferível conceder liberdade, que será acompanhada ou não de medidas cautelares, como o monitoramento eletrônico, sem prejuízo de encaminhamentos sociais e medidas com enfoque restaurativo.
Segundo o juiz Luís Geraldo Lanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), “as audiências de custódia permitem que o Poder Judiciário se apodere do controle da porta de entrada do sistema prisional, aplicando, de maneira inédita, filtros mais estritos para o encarceramento de uma pessoa. Com o contato pessoal juiz-jurisdicionado, os critérios de seleção daqueles que devem continuar presos, intuitivamente, se aprimora. A prisão, de fato, como ato de força, passa a assumir a condição de ato excepcional, permitindo ser melhor debatida no quesito da sua legalidade material e regularidade procedimental”.
As audiências de custódia estão previstas em pactos e tratados internacionais de direitos humanos firmados pelo Brasil, como o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José. Por decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, elas passaram a ser obrigatórias em todo o território nacional.
Fonte: Meio Norte