É do conhecimento de todos os Operadores do Direito, que as normas (leis, decretos, resoluções, etc), resultam das necessidades ditadas pelos fatos sociais, mas, na elaboração das regras de caráter objetivo os PRINCÍPIOS JURÍDICOS constituem a base que respaldam e orientam o legislador.

Então, os PRINCÍPIOS JURÍDICOS sempre ocuparam posição central na metodologia do direito, como afirmam os doutrinadores, unindo em torno à mesma nota, ainda que em tons diferentes, a ciência e a prática, o que justifica afirmar que atualmente no Brasil  o direito é aplicado a partir de seus princípios.

A coluna, na presente edição, em sede de resumida manifestação, comenta o PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE, de larga aplicação no ramo do Direito de Família, cuja importância impõe resultados objetivos, até mesmo impondo responsabilização em determinadas situações.

Para melhor entendimento da matéria colhe-se dos comentários doutrinários de autoria do jurista Paulo Luiz Netto Logo, um dos colaboradores do livro “DICIONÁRIO DE PRINÍPIOS JURÍDICOS”, editora CAMPUS Jurídico, p. 48, o seguinte:

  1. CONCEITO 

       Princípio que fundamenta o direito de família  na estabilidade das relações socioafetivas, de natureza cultural ou sociológica, com primazia sobre a origem biológica, principalmente na filiação. Recebeu grande impulso dos valores consagrados na Constituição de 1988 e resultou da evolução da família brasileira, nas últimas décadas do século XX, refletindo-se na doutrina jurídica e na jurisprudência dos tribunais.

  1. TRADIÇÃO E CRÍTICA DA ORIGEM BIOLÓGICA

       Em matéria de filiação, o direito sempre se valeu de presunções, pela natural dificuldade em se atribuir a paternidade ou maternidade a alguém, ou então de óbices fundados em preconceitos históricos decorrentes da hegemonia da família patriarcal e matrimonializada. Assim, chegaram até nós:

  • A presunção pater is est quem nuptia demonstrant, impedindo que se discuta a origem da filiação se o marido da mãe não se negar em curto prazo  preclusivo;
  • A presunção mater semper certa est, impedindo a investigação de maternidade contra mulher casada;
  • A presunção de paternidade atribuída ao que teve relações sexuais com a mãe, no período da concepção;
  • A presunção de exceptio plurium concumbentium, que se opõe à presunção anterior;
  • A presunção de paternidade, para os filhos concebidos180 dias antes do casamento e 300 dias após a dissolução da sociedade conjugal, entre outros.

Atinente ao respaldo trazido pela Constituição de 1988 o jurista Paulo Luiz Netto Lobo comenta (ob. cit. pgs. 50/51):

“FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE

      O princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é o fato exclusivamente sociólogo ou psicológico. No que respeita aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou à progressiva superação dos fatores de discriminação, entre eles. Projetou – se, no campo jurídico – constitucional, a afirmação da natureza da família coo grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade. Encontram-se na Constituição Federal brasileira fundamentos essenciais do princípio a afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família, máxime durante as últimas décadas do Século XX:

  1. Todos os filhos são iguais, independente de sua origem (art.227,§6º);
  2. A adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art.227,§§5º e 6ª);
  3. A comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art.226,§4º);
  4. A convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art.227)

A filiação biológica era nitidamente recortada entre filhos legítimos e ilegítimos, a demonstrar que a origem genética nunca foi, rigorosamente, a essência das relações familiares. A Constituição não tutela apenas a família matrimonializada e já não estabelece distinção entre filhos biológicos e não biológicos. As pessoas que se unem em comunhão de afeto, não podendo ou não querendo ter filhos, é família protegida pela Constituição.

A igualdade entre filhos biológicos e não biológicos implodiu o fundamento da filiação na origem genética. A concepção de família, a partir de um único pai ou mãe e seus filhos, eleva-os à mesma dignidade da família matrimonializada. O que há de comum nessa concepção plural de família e filiação é a relação entre eles fundada no afeto.

O princípio da afetividade também enraíza-se em fundamentos constitucionais mais gerais, como realização do princípio da solidariedade (art.3º,I) e do princípio da dignidade da pessoa humana(art.1º,III).”

A jurisprudência segue o entendimento doutrinário, em especial, se reportando a indenização por danos morais imposta ao autor do abandono indevido de pessoa que deveria cuidar :

“DANO MORAL. RELAÇÃO PATERNA FILIAL. ABANDONO. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA AFETIVIDADE. INDENIZAÇÃO DEVIDA.

Indenização danos morais. Relação paterno-filial. Princípio da dignidade da pessoa humana. Princípio da afetividade. A dor sofrida pelo filho em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo,  moral e psíquico deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. “ (TJMG – AC 408.550 – 5, p. DMG 2904.2004).

Colhe-se do voto da relator  da decisão supra transcrita o seguinte trecho:

“A relação paterno filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles é negada a convivência, o amparo afetivo. Moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral,  a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave.” E prossegue a fundamentação do voto:

“Esclareço, desde já, que a responsabilidade em comento deve cingir-se a civil e, sob este aspecto, deve decorrer dos laços familiares que matizam a relação paterno – filial, levando-se em consideração os conceitos da urgência da reparação do dano, da re-harmonização patrimonial da vítima do interesse jurídico desta, sempre prevalente, mesmo à face de circunstâncias danosas oriundas de atos dos juridicamente inimputáveis.”

Então, como afirmado, o PRINCÍPIO JUIRÍDICO DA AFETIVIDADE guarda ligações bem próximas com o DIREITO DAS FAMÍLIAS, onde o afeto constitui ingrediente necessário à convivência familiar de qualquer natureza ou origem.