Roberto cajubáA Constituição Federal no artigo 5º, inciso LXVII, estabelece que “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”.

         Porém, a Súmula 419 do STJ descartou a prisão civil do depositário infiel. Então, a única hipótese de prisão civil admitida em nosso ordenamento jurídico é aquela decorrente de inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia.

         Esta prisão civil por dívida alimentar, embora deva ser cumprida em regime fechado, não tem natureza punitiva. Trata-se apenas de uma medida de caráter coercitivo destinada a compelir o devedor a quitar o seu débito.

         Pelas regras do CPC/15, no cumprimento de decisão que condene ou fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

         Essa justificativa da impossibilidade de pagar haverá de ser plausível, convincente e séria porque, de acordo com a lei, “somente a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento”. Por isso, há entendimentos no sentido de que mera alegação de desemprego ou constituição de nova família não afasta o decreto de prisão civil.

         A praxe ensina, portanto, que são raras as justificativas aceitas, até porque é vedada, na fase executiva, a discussão acerca da redução ou exoneração do encargo alimentar. Além disso, deixar de pagar pensão alimentícia já decretada representa desrespeito à ordem judicial e põe em risco a subsistência digna do alimentando.

         Porém, neste mês de agosto foi julgado um caso interessante. A 3ª Turma do STJ concedeu habeas corpus a um devedor de alimentos, sob o fundamento de que a prisão civil requer a comprovação do caráter de urgência.

         No pedido de habeas corpus, o devedor alegou que a prisão não atenderia mais à sua função coercitiva, porque diante da penhora e de pagamentos efetuados voluntariamente o exequente não estaria desamparado.

         De acordo com o Ministro Relator, Marco Aurélio Bellizze, os valores já pagos eram “suficientes para suprir as necessidades mais prementes do alimentando, de modo a não recomendar o decreto de prisão civil, medida que deve ostentar natureza excepcional”.

         Além do pagamento voluntário ser suficiente para suprir as necessidades mais prementes do alimentado, foram levados ainda em consideração pelo STJ o fato de que todo o patrimônio do devedor já estava penhorado, inclusive a casa de moradia, e o exequente já era maior de idade, universitário e exercia atividade remunerada.

         Ainda na fundamentação, o Ministro Relator destacou os precedentes do STJ de “flexibilização da Súmula 309, a fim de afastar a necessidade da prisão civil do devedor de alimentos”.

         Enfim, o STJ considerou que “a prisão civil por débito alimentar é justificável apenas quando cumpridos alguns requisitos, como nas hipóteses em que for indispensável à consecução do pagamento da dívida; para garantir, pela coação extrema, a sobrevida do alimentando; e quando a prisão representar a medida de maior efetividade com a mínima restrição aos direitos do devedor. A ausência desses requisitos retira o caráter de urgência da prisão civil, que possui natureza excepcional.

         Trata-se de típico caso de conflitos entre princípios, em que há necessidade da técnica de ponderação de valores para a resolução do problema. A dívida continuará a ser executada, com a garantia dos bens já penhorados e a real possibilidade de o devedor receber seu crédito, porém sem a necessidade da medida extrema segregatória. É o Direito de Família em movimento, constantemente sendo reinterpretado para reger as relações familiares de forma humanitária e com base nos princípios constitucionais.

Por Roberto Cajubá da Costa Britto | Advogado. Professor Universitário. Mestre em Ordem Jurídica Constitucional.