QUATRO QUEIJOS: A ORIGEM

Vitor de Athayde Couto

Há quantos anos os humanos consomem leite de animais? Dez mil anos? E quanto ao queijo? Não se sabe ao certo quando o primeiro queijo começou a ser produzido e consumido. Mas uma polêmica se estabeleceu a partir da descoberta de traços de queijos ao lado de túmulos do mundo antigo – e isso já dá uma ideia do seu valor.

Um grupo de arqueólogos defende que os traços mais antigos, encontrados no atual Leste Europeu, têm 7.200 anos. Outro grupo só considera queijos de verdade os traços de 3.000 anos encontrados no Egito.
Muita gente ainda acredita que os primeiros registros de Origem Controlada (DOC, AOC) foram outorgados aos vinhos e não aos queijos.

Felizmente, para o último milênio, os pesquisadores dispõem de anotações nos arquivos históricos – o que já sugere um mínimo de segurança às informações. Na França, o queijo Cantal é mencionado desde 1.298.

Nos registros do INAO e da Academia Francesa de Gastronomia estima-se que o Rocquefort foi inventado acidentalmente, há muitos séculos. Na transumância pela Occitania, pastores de ovelhas passavam toda a estação conduzindo seus rebanhos à procura de pasto.

Os pastores alimentavam-se principalmente de pão camponês (pain paysan) e queijo de leite de ovelha (brebis). Para diminuir o peso da carga, na viagem de ida, guardavam parte da comida no interior de cavernas que encontravam pelo caminho. Na volta, perceberam que os queijos, guardados por semanas ou até meses, conforme a disponibilidade de pasto, estavam cobertos de um mofo azul-esverdeado. Milagre ou não, esses queijos são conhecidos no mercado como Rocquefort, muito parecidos com o italiano Gorgonzola, de qualidade inferior, porque é feito com leite de vaca.

Os fungos Penicillium Roqueforti, responsáveis pelas propriedades nutritivas e sabor especial desses queijos finos, devem ser conhecidos dos pastores há mais de mil anos.

A rica diversidade de fungos e bactérias dá origem a centenas de outros queijos finos, com sabores, aromas, texturas e particularidades especiais. Tal é o caso do Parmiggiano Reggiano, de Parma; do Camembert, da Normandia; e do português Serra da Estrela, mencionado há quase mil anos.

Ao degustar uma tábua de queijos (numa tábua servem-se no mínimo três queijos diferentes, comme il faut), um francês médio é capaz de reconhecer cada um deles, desde que sejam queijos verdadeiros, finos e fortes. Essa competência já se desenvolve na infância, tanto para os queijos quanto para os vinhos e pães. Basta ter um mínimo de orientação – que começa na família, prossegue na escola e por toda a vida de quem se orgulha da sua cultura e não se curva às junkfoods processadas industrialmente pelo tio Sam.

Misturar queijos, sejam eles quatro ou mais, é uma heresia porque destrói toda uma cultura, toda a história das particularidades de cada um.

Misturar queijos é destruir o prazer de conhecer a diversidade de sabores, que acaba sendo trocada por uma pasta amorfa de gosto duvidoso, sem origem, memória ou identidade. Em resumo, sem terroir.

Tudo em todo lugar passa a ter a mesma textura e sabor, de padrão industrial. Mas resta um consolo:
2 / 2 apesar do nome dos pratos, muitos “quatro queijos” não são queijos – tomara que ninguém me pergunte de que é feita aquela… gororoba, haha.

– A gororoba? De que é feita a gororoba? – perguntou Loréu, o eterno bêbado.

– Ora, isso é segredo do master chef, mas todo mundo sabe, haha.

– Pois então conta, conta!

(Continua na próxima sexta-feira)

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