QUINTA MALDIÇÃO: A PÉRGULA

 

Vitor de Athayde Couto

Os netinhos pediram pra vovó falar mais sobre a praça. Vó Branquinha abriu um sorriso de felicidade e recomeçou:

– Pois podem acreditar, esta praça já foi alegre, muito alegre. O chão não era esse campo minado por cachorros, ops, dogs, de donos, ops, de tutores mal educados e sem saco.

– Sem saco, vovó?

– Sim, Miguel. Sem saco pra coletar o descomer dos cachorros, ops, dogs. Além disso, a praça era muito bem iluminada pelos globos de vidro, fixados em lindos postes de ferro, galvanizados e finamente decorados.

– E onde esses postes foram parar, vovó? – perguntou Miguel.

– Dizem que roubaram todos; uns foram vendidos no ferro-velho, para fundição; outros foram entregues a receptadores e hoje decoram jardins das casas de novos ricos, pura ostentação neocaipira.

– E os globos, vovó?

– Os globos eram de vidro, Miguel; já não existem mais. Tudo foi quebrado, assim como foi destruída a belíssima pérgula das tartarugas. Era uma verdadeira obra de arte, feita de pequenos granitos poliédricos, idênticos aos do calçamento secular, e do piso da praça, igualmente destruídos. As pedras eram tão bem encaixadas que formavam estruturas harmonizadas com a água de uma fonte.

– Fonte, vovó?

– Sim, Estefânia, era a nossa fonte dos desejos, onde as pessoas jogavam moedas para ter sorte na vida. Agora, parece até que os hermopolitanos já não têm mais desejos. Nem projeto de cidade. Como só querem fazer pix, ficaram sem moedas, sem desejos e sem sorte. Mas a função da fonte era oxigenar a água, onde viviam pequenos peixes que alimentavam as tartarugas.

– Havia muitas tartarugas? O oxigênio era suficiente para todas elas, inclusive os peixes? – perguntou Margarida.

– Não eram muitas as tartarugas. Acho que não passavam de meia dúzia. Mas, não se preocupe. As tartarugas não consomem o oxigênio da água. Assim como as baleias, elas respiram pelos pulmões, como nós também. Por isso elas sempre vêm à tona para respirar.

– E, durante o dia, a água não ficava aquecida pelo Sol?

– Não, Margarida. Para evitar isso é que existia a pérgula, um lindo caramanchão feito em madeira de lei bem trabalhada, coberto com buganvílias de variadas cores. Além da beleza, esse conjunto também tinha a função de dar sombra, impedindo que a água ficasse aquecida.

– Meu Deus! – exclamaram todos. – E o povo permitiu que os políticos destruíssem tudo isso?

– Isso é o que vamos saber na sexta maldição, quando o povo, revoltado, provocou um grande incêndio em frente à prefeitura municipal.

(Continua na próxima sexta-feira)

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