RASCUNHO

 

Vitor de Athayde Couto

 

Ele queria ser escritor, poeta ou dramaturgo. Acontece que as dificuldades da vida levaram nosso valente a comer na mão dos poderosos e a viver às custas de uma espécie de literatura chapa branca ou jornalismo fake. Mas todos os seus problemas se acabaram depois que o chefe político local lhe deu um emprego de revisor do diário oficial do município de Lagoa do Boi dos Araújos. Feitos um para o outro, viveram felizes para quase sempre.

Certa noite sonhou que ainda era jovem. Haveria tempo de realizar seus projetos de juventude? Teria coragem de praticar uma escrita insurgente, empunhando a arma da crítica? Quando acordou, percebeu que já era tarde. Não conseguia libertar-se do ramerrão. O teclado do seu computador estava definitivamente configurado a uma consciência de papagaio de pirata.

Letra após letra, não encontrou mais nenhum nome por inteiro. Tudo era breve ou abreviado, como nas mensagens das redes sociais. A sua inteligência, artificializada pelo algoritmo de repetição, quebrava as palavras em pequenos tokens de utilidade.

Por ser pobre de direita e mestiço neonazista, o seu teclado só escrevia o que o patrão rico queria ler. Mas era tudo tão descuidado que os lagoanos do boi dos Araújos perceberam, e ele acabou ganhando o apelido de “Rascunho”.

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