SÉTIMA MALDIÇÃO: A MORTE DO SINEIRO
Vitor de Athayde Couto
– Sim, Estefânia – prosseguiu vó Branquinha – Então, por falar em corujas…
– Corujas, vovó? Elas não foram embora?
– É verdade, Faninha. Mas depois elas voltaram, travestidas de rasga-mortalhas, no dia em que o sino da matriz parou de tocar.
– Parou? Por que o sino parou de tocar?
– Sim, Faninha, parou. O sino, que antes afastava as corujas, ficou mudo durante muito tempo. Quando alguém morre nas dependências de uma igreja, ela deve permanecer fechada durante anos. Se esse alguém for um padre, a igreja só será reaberta depois de transcorrido um século.
– Tanto tempo assim, vovó? Por quê? – Perguntou Estefânia, muito curiosa.
– Não sei, Faninha, isso deve ser mais um mistério que a hierarquia da Igreja não revela, com o objetivo de preservar segredos.
– Mais segredos? Por que tantos segredos? Enganar os fiéis?
– Não, Faninha. Os segredos são bem guardados para que os nove demônios que governam o mal, nos nove círculos do inferno, não tomem conhecimento. Assim, eles não poderão executar novas maldições sobre nós.
– Quer dizer que é por isso que são nove, as maldições?
– Sim. A nona maldição – que é a última – é a mais terrível.
– E por que, vovó, por que os fiéis não podem conhecer os segredos da igreja?
– Ora, Faninha, demônios podem tomar a forma do que quiserem, inclusive de fiéis! Eles se apresentam como pardais, corujas, morcegos, cães raivosos, e até mesmo estátuas de “heróis”, como esta que se encontra bem à nossa frente.
– Não disse, vovó? – falou Miguel, em voz alta – eu disse que vi sangue no olho branco da estátua! Tenho medo, vovó!
– Miguel, ô Miguel, reze e nunca tema. Lembre-se que você foi batizado com um nome muito poderoso. Fui eu, sua avó e madrinha, quem lhe deu o mesmo nome do arcanjo – chefe supremo da falange celeste e dos anjos fiéis a Deus. Por isso mesmo, tenha muito cuidado. Observe com atenção à sua volta. Lembre-se que não é só a forma de animais. Os demônios, quando querem, também tomam a forma de humanos, principalmente aqueles que frequentam regularmente as igrejas, e se escondem em meio às carolas, nas filas da bênção. Na comunhão, pode observar, eles nunca aceitam hóstias diretamente na boca, pois teriam as línguas queimadas. Preferem receber as hóstias nas mãos, para depois destruí-las. Agindo dessa maneira, pensam que estão destruindo Jesus Cristo, pois não sabem que a comunhão é um ato apenas simbólico, que substitui o antigo sacrifício do cordeiro de Deus.
Com a inteligência que lhe foi atribuída desde que nasceu, Miguel começa a entender por que certas “pessoas de bem” fazem de conta que comungam. Elas se acham parte de uma elite dita “empresarial”. Mesmo assim, continuam tratando os empregados como escravos, como faziam os seus antepassados pré-capitalistas. Mas não passam de neo escravocratas fora do tempo e da lei.
Às 9 horas da noite de um domingo fatídico, ao terminar a missa, o sino começou a tocar, afastando as corujas e rasga-mortalhas agourentas. Os olhos da estátua enviaram raios de ódio que atingiram a torre da igreja, desestabilizando o sino de bronze. Ao tocar a nona badalada, o sino desprendeu-se, atingindo em cheio o sineiro que morreu no mesmo instante. Mas isso era apenas a preliminar de uma tragédia maior que se anunciava.
(Continua na próxima sexta-feira)
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