O crescimento dos casos de coronavírus afugentou parte dos viajantes e esfriou a recuperação do setor de hotelaria e turismo, que, agora, passa a esperar melhora dos negócios só a partir do segundo semestre de 2021. As atividades tendem a seguir minadas pelo clima de insegurança até que o plano nacional de vacinação se torne realidade, acreditam empresários.

 

A Atlantica Hotels vive esse clima de altos e baixos. A rede tem 135 hotéis e 22 mil quartos no Brasil, com bandeiras como Confort, Quality e Radisso. “Este será um ano de recuperação, mas isso só deve acontecer no segundo semestre, quando a vacinação se massificar e os viajantes voltarem a ganhar confiança”, afirma o vice-presidente de operações da empresa, Guilherme Martini. “Para melhorar de verdade, as pessoas precisam ter conforto na decisão de se deslocar.”

 

A ocupação e o faturamento da companhia em dezembro foram, respectivamente, 26% e 35% menores do que no mesmo mês do ano anterior. Apesar da queda, houve melhora em relação a abril, auge da quarentena, quando esses indicadores chegaram a recuar mais de 90%. No consolidado de 2020, o grupo teve ocupação e faturamento 48% e 50% menores do que em 2019. Para 2021, a expectativa é diminuir essa perda para 15% em relação a 2019.

 

Diante do cenário marcado por incertezas e agravado pelo fim das medidas de apoio por parte do governo federal, a Atlantica Hotels decidiu cortar um terço da mão-de-obra no último ano. “Lá atrás, percebemos que a pandemia não era um fato de curto prazo e que a recuperação seria lenta. Então buscamos a estrutura mínima eficiente para funcionamento dos hotéis”, explica Martini. A expectativa é recontratar à medida que as condições melhorarem.

 

A rede Blue Tree, composta por 23 unidades no Brasil, atravessa situação semelhante. O grupo fechou 2020 com queda de 63% no faturamento ante 2019. Para 2021, a previsão é reduzir essa queda para cerca de 40% ante 2019. “Esperamos uma recuperação mais forte após a vacinação”, afirma a empresária nipo-brasileira Chieko Aoki, fundadora e presidente do grupo. “O faturamento só deve ser bom a partir de julho ou agosto.”

 

Enquanto isso, a estratégia para sobreviver será baseada na gestão dos custos, reforço dos protocolos de segurança sanitárias e até mesmo diminuição das tarifas para atrair hóspedes, diz Aoki. “Vamos avaliar os custos todos os dias e buscar todas as negociações possíveis. E vamos dar desconto, sim, porque isso é parte da lei de oferta e demanda”.

 

Recuperação desigual

 

O fôlego nas atividades de hotelaria partiu do segmento de lazer, em cidades turísticas, praia e campo. Os empreendimentos focados em negócios e localizados nas regiões metropolitanas, como hotéis corporativos e centros de convenções, seguiram com movimento muito fraco.

 

“A hotelaria de lazer teve um arranque. Esse movimento ainda está longe de resolver os problemas financeiros das empresas, mas ajudou a amenizar a crise”, avalia o presidente do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB), Orlando de Souza. “As viagens a trabalho estão completamente paradas. Nenhuma empresa está deslocando seu quadro de funcionários. As viagens ocorrem só em alguns casos, em última circunstância.”

 

O FOHB ainda não publicou os dados consolidados de 2020, o dado mais recente mostrava uma ocupação média dos hotéis em 33% até novembro. O número é baixo porque a grande maioria dos associados é de hotéis corporativos, explica Souza. “No geral, tínhamos uma melhora pouco a pouco. Agora é provável que caia de novo, porque a pandemia recrudesceu.” A expectativa é observar a retomada apenas quando houver a vacina, após o primeiro quadrimestre.

 

O segmento de alto luxo também foi sacudido pela crise, embora mostre maior resiliência. A ocupação média do setor desabou para o patamar de 1% a 5% entre abril e junho, subindo a 18% em julho, 66% em novembro e 69% em dezembro, de acordo com a Associação Brasileira de Viagens de Luxo (BLTA). A entidade reúne grifes como Fasano, Emiliano, Tangará, TXAI, entre outras.

 

“A demanda reprimida por lazer durante a quarentena e as fronteiras internacionais fechadas impulsionaram as viagens internas”, relata a presidente da BLTA, Simone Scorsato. “No mercado de luxo, a procura foi imensa. Alguns resorts tiveram ocupação até maior do que nos anos de 2019 e 2018. Nas capitais o cenário está mais fraco.”

 

Aéreas

 

Pelos dados do setor aéreo, é possível perceber que muitos brasileiros optaram por viajar no fim do ano apesar do aumento nas contaminações. Números divulgados pela Gol mostram um aumento de 29% na oferta de voos em dezembro. A Azu informou ter fechado dezembro com aumento de 18,1% na demanda em comparação com novembro, além de avanço de 22,5% na oferta. A ocupação dos voos no mês foi de 80%.

 

O receio das contaminações também impulsionou a procura por segmentos mais caros. A demanda por voos executivos para destinos turísticos como Jericoacoara (CE), Trancoso (BA) e Angra dos Reis (RJ) disparou no fim do ano.

 

Dados da Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata, na sigla em inglês) mostram um retrato um pouco melhor do que no exterior. Enquanto a demanda de passageiros nos mercados domésticos globais caiu 41% em novembro na comparação com igual mês de 2019, no Brasil a retração era de 34,5%. A ocupação era de 84,5% nas companhias aéreas brasileiras, ante 66,6% fora do País.

 

Simone, da BLTA, alerta, porém, para o risco de o Brasil perder hóspedes neste ano para os destinos mais adiantados na vacinação e, portanto, mais próximos de voltar à normalidade. “Os países que não fizerem a lição de casa ficarão na lanterninha”, pondera. “E a imagem do Brasil lá fora saiu totalmente arranhada na pandemia. Precisaremos trabalhar de forma redobrada para reforçar a percepção do País.”

 

Fonte: Estadão