O Piauí é um projeto português que teve embaraços ao longo de sua história e a partir de sua criação. Quando apenas o navio era o meio de comunicação e transporte entre as civilizações, o Marquês de Pombal imaginou a instalação da Capitania do Piauí com a sua capital no interior remoto, com a ideia de unir através dos caminhos dos Sertões de Dentro, as antigas capitais do Estado do Brasil, e do Estado do Maranhão e Grão Pará.

Após a descoberta do Brasil, o rei de Portugal, Dom João III, entre os anos de 1534 e 1536, instituiu o sistema de capitanias hereditárias e dividiu a sua nova colônia em faixas que partiam do litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas. Assim, o rei evitava as invasões estrangeiras, assumia o território brasileiro entregando a administração para particulares chamados de donatários, nobres com relações com a Coroa.

Revisitando a história das Capitanias, o engenheiro Jorge Pimentel Cintra, docente da Escola Politécnica da USP e membro do Instituto Histórico Geográfico de São Paulo concluiu que estas não foram divididas do modo como o historiador Adolfo Varnhagen definiu, em meados do século XIX, e que ainda hoje se vem reproduzindo nos livros didáticos.

Mapa das Capitanias Hereditárias de autoria de Manoel Maurício de Albuquerque, extraído do Atlas Histórico Escolar do MEC.
Mapa das Capitanias Hereditárias de autoria de Manoel Maurício de Albuquerque, extraído do Atlas Histórico Escolar do MEC.

Nos mapas reproduzidos nos livros didáticos, a Capitania do Piauí não aparece. Segundo pesquisas do professor Cintra, a divisão das Capitanias do Norte não teria se dado de forma longitudinal, e sim em sentido latitudinal, fazendo com que os livros escolares de História do Brasil ganhem novo desenho, possivelmente a partir de 2017.

Mapa das Capitanias do Norte do Brasil segundo o Professor Cintra.
Mapa das Capitanias do Norte do Brasil segundo o Professor Cintra.

A Capitania do Piauí foi criada pelo rei de Portugal Dom João III, com cartas de doação e foral lavradas em Évora, em favor do cavaleiro fidalgo Antônio Cardoso de Barros, no dia 19 de novembro de 1535. Segundo estes documentos, o litoral do Piauí tinha uma extensão de 40 léguas, partindo da foz Rio da Cruz hoje Coreaú, Camocim-Ceará, até a Ponta dos Mangues Verdes, hoje litoral do Maranhão.

A história da posse de seu donatário ainda está perdida na poeira dos séculos, carecendo de pesquisadores. Dele, apenas sabemos que veio na comitiva de Tomé de Souza com destino a Salvador, em 1549, onde assumiu o cargo de provedor-mor da Fazenda Real, e que, no seu retorno a Portugal em 1556, foi uma das vítimas do naufrágio onde também perdeu a vida o bispo Pero Fernandes Sardinha, ambos devorados pelos índios caetés. Mas em Tutóia no Maranhão, segundo o historiador Varnhagen, ruínas de pedra e cal são indícios que aí pretendeu estabelecer uma colônia, que se viu obrigado a desamparar. Em sua passagem por Salvador, Antônio Cardoso de Barros diz ter trabalhado para recuperar os recursos que teria gasto tentando empreender na sua donataria.

Carta de Doação da Capitania do Piauí, 1535. Torre do Tombo, Lisboa.
Carta de Doação da Capitania do Piauí, 1535. Torre do Tombo, Lisboa.

Durante o século XVIII, a jurisdição do Piauí passou da Bahia para Pernambuco, e depois para o Maranhão, ações que dificultaram a construção do edifício da Capitania, sempre subjugado. Até o alvorecer do século que se passou, o Piauí contava com área superior a 300 mil quilômetros quadrados, mas com apenas 10 léguas de litoral, depois de reaver por decreto imperial de 1880, o território de Amarração trocado com o Ceará pelo município de Príncipe Imperial (Crateús). Trocamos o que era nosso pelo que era nosso, pois tanto Amarração como Crateús eram do Piauí. Mas o Ceará, além de Príncipe Imperial, levou o município de Independência e grande área em cima da Serra da Ibiapaba que até hoje permanece em litígio, e que o Piauí não dá importância.

Área em disputa entre os estados do Piauí e Ceará. Imagem: http://zip.net/bgthMp.
Área em disputa entre os estados do Piauí e Ceará. Imagem: http://zip.net/bgthMp.

No século XIX, o governo provincial do Piauí encomendou dois importantes trabalhos sobre o Rio Parnaíba que ficaram a cargo do professor e jornalista David Moreira Caldas (1867) e do engenheiro alemão Gustavo Dodt (1871). O primeiro relatório teve como título Relatório de 1865. Viagem de inspeção feita de Teresina até a cidade de Parnaíba, pelo rio do mesmo nome, inclusive todo seu Delta, e o segundo Acerca da Exploração do Rio Parnaíba por Ordem da Província do Piauhy. Ambos fizeram acompanhar os seus trabalhos de mapas topográficos do Delta.

Capa da reedição do livro de Antonino Freire, onde aparece mapa do Piauí com as suas áreas em amarelo retiradas pelo vizinho estado do Maranhão. Edição comemorativa do centenário da Academia Piauiense de Letras, 2016.
Capa da reedição do livro de Antonino Freire, onde aparece mapa do Piauí com as suas áreas em amarelo retiradas pelo vizinho estado do Maranhão. Edição comemorativa do centenário da Academia Piauiense de Letras, 2016.

No início do século XX, o Piauí iniciou uma campanha para que o Maranhão não lhe usurpasse a maior parte do Delta do Rio Parnaíba. Na cidade de Parnaíba foram criados dois jornais com esse fim: o Nortista, e o Norte, que exibiam textos e exposições de David Moreira Caldas, Francisco de Assis Pereira da Costa e Gustavo Dodt, entre outros. Na capital Teresina, Antonino Freire escreveu em 1907 e 1921, como peças de defesa, os livros Limite entre os Estados do Piauí e Maranhão e Questões Territoriais e, Limites do Piauí: contribuição para o estudo de suas questões territoriais com o Maranhão. No Maranhão, Justo Jansen Ferreira e José Ribeiro Amaral publicaram respectivamente os livros A Barra de Tutóia, Contribuição para a História e para a Geografia do Maranhão – a Barra da Tutóia e, Limites do Maranhão com o Piauí ou Questão de Tutóia. Ainda como defesa das intenções do Maranhão, Benedito de Barros Vasconcelos escreveu A Tutóia e o Delta do Parnaíba.  

Sem força política, e o Maranhão contando com deputados federais influentes como o escritor Humberto de Campos, o Piauí não só perdeu aproximadamente dois terços de área deltaica, como grande área no Rio das Balsas, hoje grande produtora de soja. O esforço dos piauienses em libertar o Maranhão do jugo lusitano em 1823 foi pago pelo vizinho com a conquista política e espoliação de áreas no Sul e Norte do Piauí.

Atualmente, o Piauí conta com 251 mil quilômetros quadrados, tendo perdido para os seus vizinhos uma área superior a dois estados de Sergipe. Documentos como a sua Carta e Foral de Doação da Capitania, o seu primeiro mapa político desenhado por Henrique Antonio Galucci datado de 1761, o primeiro mapa detalhado do Delta do Rio Parnaíba feito por Simplício Dias da Silva em 1806 atendendo ordens repassadas pelo governador da Capitania do Piauí Carlos Cesar Burlamaqui, e a planta de 1826 que mostra as fozes do rio Parnaíba e barras da província do Piauí até a barra da Tutóia, da província do Maranhão são importantes documentos que mostram que o Delta sempre teve suas ações executadas oficialmente pelo Piauí. Até perder grande parte da área deltaica, o Piauí nunca deixou de exercer a sua jurisdição sobre todo o Delta do Rio Parnaíba.

Detalhe do mapa de Antonio Galucci desenhado em 1761, no qual se destaca Crateús fazendo parte do Piauí. Imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Crate%C3%BAs.
Detalhe do mapa de Antonio Galucci desenhado em 1761, no qual se destaca Crateús fazendo parte do Piauí.
Imagem: https://pt.wikipedia.org/wiki/Crate%C3%BAs.
Planta que mostra as fozes do rio Parnahiba e barras da provincia do Piauhy até a barra da Tutoia, da provincia do Maranhão suas communicaçoens por garapés e as habitaçoens colocadas nos lugares que o autor vio, 1826. Para os serviços de preparação deste mapa, chega a Parnaíba, o bacharel e tenente-coronel do Corpo de Estado Maior de 1ª Classe do Exército do Brasil - Franklin Antônio da Costa Ferreira. Acervo Digital da Biblioteca Nacional do Brasil. Imagem: http://zip.net/brth5D.
Planta que mostra as fozes do rio Parnahiba e barras da provincia do Piauhy até a barra da Tutoia, da provincia do Maranhão suas communicaçoen por garapés e as habitaçoen colocadas nos lugares que o autor vio, 1826. Para os serviços de preparação deste mapa, chega a Parnaíba, o bacharel e tenente-coronel do Corpo de Estado Maior de 1ª Classe do Exército do Brasil – Franklin Antônio da Costa Ferreira. Acervo Digital da Biblioteca Nacional do Brasil. Imagem: http://zip.net/brth5D.