A PRAÇA DOS CORNOS

 

Vitor de Athayde Couto

 

Eu não sabia que o Brasil tem tantas praças do boi. Uma leitora de Maceió enviou-me uma foto da praça do boi, em Barra Grande, Alagoas.

 

De São Paulo, outra leitora mencionou a praça do boi, em Araçatuba. Praça do boi gordo, era o local onde se negociavam animais erados, para abate.

 

Outra praça de bois pode ser visitada em Vitória da Conquista. Trata-se da praça do boi vivo, ou boi em pé.

 

No plural, encontra-se a praça dos bois, em Parintins, famosa pela rivalidade dos bois Caprichoso e Garantido.

 

Feira de Santana deve seu nome ao boi. Na origem, era uma praça de bois, no plural. Lá funcionava uma das maiores feiras de gado. Sua importância era tamanha que facilitou o trabalho dos engenheiros de transporte.

 

Os antigos caminhos de gado que convergiam para a feira, hoje são grandes rodovias.

 

Graças aos leitores, acabei descobrindo outras incontáveis praças do boi: em Goitacazes, Goiás; Juazeiro, Bahia; Picuí, Paraíba… E muitas festas! Das farras do boi ao toro-piscine. Das touradas às festas de São Firmino. Mas nenhuma delas supera a festa dos cornos. Quando o locutor das festas de peão boiadeiro pergunta: tem corno aí? Os homens respondem: eu, eu, eu! E rapariga? As mulheres gritam: aqui, ó! E tem gado? Todos respondem: muuu…

 

Pergunto-me por que existem tantas praças do boi no Brasil. Vocação pecuarista? Faltam bolsas de mercadorias operando contratos de boi gordo? Ou seria alguma herança maldita dos fenícios, anterior ao descobrimento?

 

Eu e outros malucos acreditamos que os fenícios estiveram no Brasil antes dos portugueses. Vindos de Tiro, no atual Líbano, trouxeram sementes de gado nas suas embarcações. Mas ninguém pense que vieram assentar fazendas e produzir carne. Ao contrário do que fizeram os portugueses, a importação de bovinos apenas cumpria um rito religioso.

 

Os tirenses adoravam o boi Baal, deus de Tiro. Os hindus negociavam bois Zeboub com os fenícios. Baal, o deus, e Zeboub, o boi, deram origem à palavra Belzebu. Tal designação de demônios e jezebéis faz parte de uma liturgia que supõe adoração inconsciente e inculta, além do sacrifício de criancinhas. O velho mito do boi e do bezerro de ouro talvez explique a origem e o comportamento de uma parte do povo brasileiro. A mídia tem me afastado das teses de Gilberto Freyre e diminuído os meus talvezes, porque…

 

Quase diariamente leio notícias de adoração do mito e relatos macabros de sacrifícios e oferendas a Belzebu. Guiados por descendentes de antigos sacerdotes tirenses, adultos fiéis violentam, torturam e sacrificam criancinhas. Os métodos variam: espancamento, sufocação, afogamento, inanição, abandono… Alguns padrastos adoram praticar um esporte nacional que consiste em atirar criancinhas pelas janelas, do alto dos apartamentos.

 

Nos semáforos das encruzilhadas de Belzebu, pessoas de bem, de dentro dos seus carros luxuosos, pagam moedas para acariciar gatinhos de pedintes inovadores. Eles são o novo case do empreendedorismo nacional.

 

Ruminando minhas dúvidas, procuro entender essa fração de brasileiros assim: é só gente doida mesmo, nada mais.

 

Mas foi de Itapetinga, Bahia, que um leitor enviou duas fotos e uma informação reveladora: os visitantes dizem que a praça do boi é a praça dos cornos.

 

Brasileiro já não consegue mais saber se é povo, público ou rebanho. Eu mesmo não sei. Mas uma leitora-sei-lá-de-onde tranqüilizou-me ao lembrar que um homem sem chifre é um animal sem defesa. Um amigo meu coordena a festa dos cornos, numa cidade interiorana com elevado índice de FIB, onde todo mundo come a mulher de todo mundo e é feliz. Falando de cátedra, garantiu que chifre só dói no comecinho, quando está nascendo. Depois que atravessa a testa, já não dói mais. A partir daí, basta saber administrar o chifre, como orienta o arquiteto Falcão, renomado cornólogo cearense.

 

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Escute o áudio com a narração do próprio autor: