A ROÇA E A RUA
Vitor de Athayde Couto
– O que não mata, engorda, né?
– Não.
– Não? Por que não? Não é o que se diz por aí?
– Seguim. Era uma vez um cara em situação de mato, você sabe, na roça não tem rua, então, não se diz que lá alguém vive em situação de rua.
– E daí?
– Daí é que o cara era meio doido. Quando sentia fome, ia procurar no mato o de comer.
– E achava alguma coisa?
– Sim, quase sempre achava, mas, quando não tinha nada mesmo, ele comia cogumelos.
– Mas os cogumelos não são venenosos?
– Depende. O cogumelo que não mata, endoidece eo miolo amolece. Daí, ele ia pra cidade, muito doidão. Uma vez na cidade, ia pra rua, uma vez na rua, ia pro lixo, uma vez no lixo, ia pra outro lixo, e, de lixo em lixo…
– Eita! É assim que se explica a tal “situação de rua”?
– Também.
– Como, também?
– É porque nem todos vêm da roça. Atualmente, amaioria vem desses grupos urbanos que algumas pessoas ainda insistem em chamar de família. Mas é só gente sob o mesmo teto ou cobertura, depende se a “família” é pobre ou rica.
– O mesmo teto? De novo? Parece ficção, né? Não tem como resolver isso?
– Infelizmente, não.
– Não? Por quê?
– Porque não dá lucro, e, se não dá lucro, é coisa proEstado arcar sozinho. Política social, tácompreendendo? Simples assim. O problema é que, cada dia que passa, tem mais gente que não gosta do Estado.
– Não gosta? Por quê?
– Porque nunca viveram numa sociedade sem Estado. Acho até que deviam aproveitar a oportunidade e passar uma semana, melhor ainda, um mês, no Haiti. Só assim vão saber a falta que o Estado faz. Pode ser até na capital Porto Príncipe – viu só que nome lindo, elegante e nobre? Parece até nome de condomínio fechado, desses de classe média premium, onde mora alguma autoridade, dessas que conseguem privilégios como ronda policial, para sua segurança privada, e sempre por conta do… com perdão da palavra… Estado.
– Eita! Ainda bem que o Haiti não é aqui, mas quaseia sendo, né?
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