AQUELA PESSOA

 

Vitor de Athayde Couto

 

 

Tempos estranhos aqueles. Todo mundo mascarado. Durante o carnaval havia bailes infantis, pela manhã. Os adolescentes brincavam na vesperal. A noite era dos adultos, até a madrugada, quando os tocadores começavam a desmaiar de fome e cansaço sobre o tablado do clube.

 

O baile infantil recomeçava às 9 da manhã do dia seguinte. Todos os tocadores eram obrigados a estar a postos às 8:30, com gravata borboleta e tudo. Eram os escravos modernos, inspirados nos chamados músicos-escravos da casa-grande. Alguém se orgulha disso?

 

Pois há quem desconheça e ainda se surpreenda com fatos históricos que os “historiadores” de plantão evitam investigar, mano. Quer ver? E se eu disser que em quase todas as casas-grandes da colônia havia músicos-escravos?

 

É fácil entender. Não existia rádio nem gramofone, muito menos um gravador. As pessoas de posses recorriam a músicos-escravos, sempre ao vivo. Sim, escravos que faziam o seu incrível batuque no terreiro noturno, onde eram temporariamente livres. Todavia, no andar de cima eram obrigados a tocar músicas chatas, em instrumentos igualmente idem.

 

Nas metrópoles era diferente. Nobres europeus ociosos já se davam o luxo de imitar Caio Cílnio, o Mecenas de Arezzo. Patrocinavam grandes compositores com bens materiais e proteção política. Os compositores tinham toda liberdade para criar. Também foram beneficiados grandes escultores, pintores… e até escritores! Desde que eles respeitassem os valores religiosos daquelas famílias ricas. Sem liberdade não existe arte, só artesanato. Então, como esperar que escravos produzissem arte?

 

Cá na ex-colônia tupiniquim, os registros musicais mais importantes ficaram esquecidos porque o seu autor não era branco. Mas ele teve alguma chance pois era padre e contou com a imprescindível liberdade para expressar o seu talento. Era tratado como Padre Mestre por aqueles que conheciam a sua arte, principalmente a música. Felizmente a tinta indelével das suas partituras ainda resiste, como resiste toda obra voltada para Deus e Nossa Senhora (leia aqui).

 

Volto ao baile de carnaval.

 

– Quem é você?

 

Assim me dirigi àquela pessoa que se aproximou de mim. Todo mundo mascarado no baile teen. Eu também exibia minha máscara, rodando no salão, ao som de “Cidade Maravilhosa”, quando aquela pessoa segurou a minha mão.

 

Quem é você? – perguntei novamente.

 

Silêncio. Fiz o que todo mininorréi-macho fazia: olhei a sua mão. Quando vi as unhas crescidas e pintadas de vermelho, cantei vitória. Com um sorriso, continuamos a rodar no salão cheio de encantos mil. Não havia emoção maior do que pegar naquela mão que depois subiria até o ombro.

 

Hoje ainda me pergunto: Quem era aquela pessoa? O que significam unhas crescidas e pintadas de vermelho? Nada. Absolutamente nada. Mas, valeu. Pelo menos aquele mininorréi, todo se achando, teve seus dez minutos de felicidade, orgulho e preconceito.

 

Ah, os mistérios da vida. Eles são infinitos e nos seguem até o túmulo, onde as mentiras não sobrevivem, porque no túmulo nos calamos para sempre.

 

Mas, péra! Cem anos depois encontrei aquela pessoa. Elx me viu e me reconheceu. Mas o resto fica para outra crônica, pois agora até não sei, até talvez, até quem sabe.

 

 

COMENTÁRIOS

 

Uma leitora quer saber por que o Domingo de Páscoa é o dia oficial de abrir o balaio. Chegou a imaginar que os católicos vão achar que é o dia em que Maria Madalena encontrou a sepultura aberta. Haja imaginação. Felizmente, um leitor muito atento lembrou que a primeira greve do balaio fechado começou no brega, sob a liderança de Tereza Batista. Essa grande e admirável mulher disse: “a greve só vai acabar no Domingo de Páscoa”. As putas deixaram na mão três navios de soldados americanos. Também, quem manda milico aportar no brega, com 35 mil viagras, em plena Sexta Feira Santa? Pura falta de estratégia.

 

Outro leitor teme que a greve possa ter influenciado até as universitárias e que, se for verdade, “tá tudo lascado” (sic).

 

Um leitor declarou que não ficará surpreso se passarem a usar óleo de soja no amanteigado. Mas uma leitora parnaibana me enviou o endereço de uma senhora que faz amanteigados de verdade. Já provei e agradeço pela dica. E os sequilhos? De tão bons, lembram os de Vitória da Conquista.

 

A propósito da crônica o bom exemplo que vem da Bahia, uma leitora baiana noticiou uma homenagem importante a Milton Santos (leia aqui).

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: