Dia desses, coisa de uns quinze dias, atravessei a ponte do Jandira e entrei de Maranhão adentro, nessa nesguinha que faz fronteira com a região norte do Piauí tendo como referência a Parnaíba. Fui a São Bernardo. Antes já havia conhecido Araioses e mais antes ainda a Tutoia, terra de meus amigos e confrades Rubem Freitas e Antonio Gallas.
A viagem foi aquilo que eu esperava ver a partir da estrada esburacada e que a gente fica em todo o percurso com a alma saindo pela boca morrendo de medo de um acidente. E vem curvas e lombadas e a estrada sem uma gota de sinalização. Sem contar no temor de a qualquer momento ser assaltado por algum motoqueiro, desses que ficam espreitando quem passa.
Não sei como é que pode todo que é santo dia esse pessoal dessas cidades do Maranhão estar na Parnaíba fazendo compras no Paraíba, fazendo consultas, trazendo mulher parideira pra hospital, trabalhadores vindo à procura do FGTS, PIS ou Pasep, aposentado correndo pra fazer empréstimo consignado e trafegando numa rodovia naquela situação?! Cidades como Araioses, Santa Quitéria, Tutoia, Agua Doce, Magalhães de Almeida, São Bernardo, de gente tão hospitaleira, mas que nada têm que favoreça se morar nelas.
Pobres, feias, abandonadas, que lembram muito os bairros Santa Luzia e a Guarita, de gente ordinária e triste, feito cabras dentro de um aprisco apertado. Muitos e muitos saem todos os dias no rumo da Parnaíba e lá pelo meio do dia ou no começo da tarde voltam pra aquele fim de mundo! Como é que vive aquela gente? Qual a autoestima que podem ter? Quem eles podem ter como referências de sucesso? Tudo dessa gente é feito e comprado na Parnaíba. Da caixa de fósforos ao pano pra vestido.
E a minha impressão de viagem foi tomando consistência ao ver do carro aquela gente na beira da rodovia, naqueles povoados, as caras de desempregados, famintos, vestidos com roupas encardidas, as meninas tomando tope de moças já com os caroços dos peitos furando a blusa e sem nenhuma vergonha de pedirem dinheiro aos desconhecidos. Uma visão da miséria humana e da falta de sensibilidade de quem pode e deve mudar a sociedade.
Posso dizer que a impressão que tenho e tive do Maranhão sempre foi aquela de uma terra abandonada e com a maioria de sua gente miserável, ignorante, submissa e explorada por políticos sem vergonha nenhuma que se perpetuam dentro das prefeituras e câmaras de vereadores, corrompendo e sendo corrompidos, se revezando, casando e batizando, decidindo quem nasce e quem deve morrer.
E naquela viagem fui observando a mata, as casinhas de taipa dentro de roças. Umas até com antenas parabólicas! Meninos sujos comendo barro detrás de casa. Velhas desdentadas jogando no mato o mijo da noite que ficou nos pinicos e muitos porcos e mangueiras. Porque uma coisa a gente tem de admirar, essa parte do Maranhão tem mangueiras. Mangueiras enormes, centenárias com aquelas copas mais parecendo cabelo de negras. Aí lembrei de meu pai, filho de Brejo dos Anapurus. Ele dizia que na sua terra tinha uma mangueira que de tão velha deu caju.
Então eu me detive olhando aquela arrumação. Aqueles porcos de tudo quanto era definição e tamanho. Os pretos, os ruivos, outros rajados, uns cinzentos, outros cobertos de lama, uns de rabo fino. Do barrão ao bacurinho. Uns tão pequenos que, se mortos e pelados, mal dariam pra uma família de dez pessoas na hora do almoço. E ali embaixo daquelas mangueiras eles ficam, dormem nessa época de muita manga madura. De vez em quando tem uma briga, se mordem. Depois estão no mesmo chiqueiro.
E é dessa forma, desse mesmo jeito que estou contando, que vivem esses políticos dessa parte do Maranhão, vizinha e dependente de um tudo da Parnaíba. Feito uns porcos debaixo das mangueiras velhas esperando esta ou aquela manga madura ou de vez cair pra ser devorada em questão de minutos. Brigam aqui, mas se ajuntam mais na frente. Exploram e humilham o povo que lhes dá voto de confiança. Ficam ali engordando e retirando do caroço da manga, que são as prefeituras, até a última gota de sumo.