SEMANÁRIO JURÍDICO – EDIÇÃO DE 22.01.2016

JOSINO RIBEIRO NETO

DIREITO CIVIL – BEM DE FAMÍLIA – ALTO VALOR – IMPENHORABILIDADE.

Durante muito tempo e na atualidade o Código Civil disciplinou a instituição de bem de família, que fica imune de constrição judicial (penhora), no caso dividas do casal instituidor. Consta do art. 1.712 do CC/2002:

“O bem de família em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertences e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicilio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”

Em março de 2009, resultante da Medida Provisória nº 143/90, de iniciativa do Governo Sarney, foi aprovada pelo Congresso Nacional e Lei nº 8.009, de 29 de março de 2009, que no art. 1º disciplina:

“O imóvel residencial próprio do casal , ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil , comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

As exceções à proteção do imóvel que poderia se constituir bem de família constam dos artigos 2º e 3º da referida lei.

Então, existem dois tipos de bem de família, o que depende de ação voluntária dos proprietários, conforme previstos no Código Civil (arts. 1.712 a 1.722)  e o que depende  apenas do cumprimento dos requisitos previsto na Lei nº 8.009/90.

O bem de família resultante da aplicação da Lei nº 8.009/90, tem se revelado um dos temas mais controvertidos do Direito Civil brasileiro, trazendo debates interessantes sobre a interpretação da legislação que o regulamenta e uma das controvérsias  de maior relevo diz respeito a existência ou não de um teto para o valor do imóvel que deve ser considerado como impenhorável, por força do art. 1º da citada norma jurídica  .

O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça durante muito tempo  se manteve firme no sentido de que não importa o valor do bem, que resulta do “status” da família, mas, se a legislação não exige um determinado teto de valor, para ser considerado bem de família, ao intérprete é vedado impor qualquer limite.

Sobre a matéria o Ministro Relator do Recurso Especial 1.024.394/RS, enfatizou:

“Penhora. Bem de Família. Valor Vultoso. Na espécie o mérito da controvérsia é saber se o imóvel levado à constrição situado em bairro nobre de capital e com valor elevado pode ser considerado bem de família para efeito da proteção legal de impenhorabilidade, caso em que não há precedente específico sobre o temo no STJ. Ressalta o Ministro Relator que, nos autos, é incontroverso o fato de o executado não dispor de outros bens capazes de garantir a execução e que a Lei nº 8.009/1990 não distingue entre imóvel valioso ou não, para efeito da proteção legal da moradia. Logo o fato de ser valioso o imóvel não retira sua condição de bem de família impenhorável…” (Matéria publicada no Informativo 441, do STJ).

Indiscutível, sob todos os aspectos, o posicionamento do voto do Relator, entretanto, o próprio Ministro Luís Felipe Salomão, propôs em setembro de 2016, uma revisão do posicionamento anterior , no julgamento do REsp. 1.351.571/SP,  pois, segundo o Ministro, “o princípio da isonomia se vê afrontado por situação que privilegia determinado sujeito sem a correspondente razão que justifica esse privilégio. A questão exige muito mais que a simples interpretação literal da norma legal”.

E prossegue o Ministro: “a proposta é de afastamento da absoluta impenhorabilidade, e da possibilidade de ser afastada diante do caso concreto e da ponderação dos direitos em jogo.”.

Mas, felizmente, não obstante a sinalização de mudança de posicionamento,  o Ministro Salomão,  confirmou seu entendimento anterior, respaldado pelos votos dos Ministros Raul Araújo, Maria Izabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.

Há que se entender que a controvérsia ganhou força com advento do novo Código de Processo, que abrandou as situações de impenhorabilidade de bens, fazendo constar do seu art. 833, os bens impenhoráveis e não mais os absolutamente impenhoráveis, como constava do art. 649 do CPC/1973.

E mais, inovou no art. 833, § 2º, quando considera penhoráveis valores atinentes a pensões, salários e rendimentos, em montantes superiores a cinquenta salários mínimos, entretanto, em relação ao bem de família previsto na lei nº 8.009/90, foi silente, isto, é não indicou nenhum teto limite da proteção de impenhorabilidade . 

A matéria é de um subjetivismo judicial sem precedente e a definição não pode ficar a cargo do julgador. As situações são distintas, assim, como seria fixado o teto máximo para o bem ser considerado impenhorável? Cada julgador pode ter um  posicionamento e se tornaria uma verdadeira Torre de Babel, com entendimentos os mais diversificados.

Em resumo, qualquer mudança tem que resultar de um processo  legislativo com a mudança da lei, jamais poderá  resultar de decisões judiciais, como sinalizado pelo Ministro Salomão (STJ).