BROKEN HEART

 

Vitor de Athayde Couto

 

– Iaí, miga? Que cara é essa? – perguntou Anaïs.

 

– Cê nem sabe, tá purfa…

 

– O que, Mani?

 

– Estou com o coração partido. Broken heart, miga.

 

– Diabéisso?

 

– É que eu estava ouvindo música. Repare. Se tirar broken heart do pop americano nas hit parades, não fica quase nada. Nem a metade das letras!

 

– Verdade.

 

– Quase toda música americana tem broken heart, break my heart e I’ll be there. Este último verso, a galera canta: “ao bidééé”.

 

– Haha, ao bidé? Diabéisso?

 

– Faz tempo que não se usa mais bidé. Agora só se usa chuveirinho. Mas aqui também, se você tirar amor e paixão das letras universitárias, não fica nada.

 

– Por isso, eu só escuto música em inglês. Não entendo nada, essa é a vantagem.

 

– Por quê?

 

– Porque não tem sofrência. Não aguento mais sofrência na vida. Pra mim, já chega. Já encheu!

 

– Hahaha…

 

– Que qui foi?

 

– É que, em inglês, é tudo igual. É tudo sofrência também. As lyrics não passam de suffering.

 

– Então, qual é a solução, Mani? O que você ouve? MPB?

 

– Nem isso, miga. Chega de rimar amor e flor e dor e calor e esplendor e langor… Agora, o que não suporto mesmo é rima de criança com esperança, água com mágoa, coração com paixão, bandeira brasileira com altaneira… aff…

 

– Nem pátria amada idolatrada?

 

– Aí é que nem, nem, nem. Isso já não me diz nada.

 

– Então, você não ouve nada?

 

– Sim, sim, sim.

 

– O quê?

 

– Canto gregoriano.

 

– Égua!

 

– Péra, não é qualquer canto, não. Eu só ouço canto gregoriano com basso profondo, da Igreja Ortodoxa Russa.

 

– Sozinha, claro, né?

 

– Nunca. Sempre tem algum crush maluco que se dispõe a ouvir comigo. Se aguentar ouvir até o fim é porque ele está mesmo a fim de mim pra ser meu afim. Você me conhece. Não sou homo sapiens. Ainda serei hetero sapiens por muito tempo. Se rolar uma química, a gente parte logo pra física, cuidando pra não gerar uma bio.

 

– Grrrlllgngn…

 

– Que qui foi?

 

– Grrrlllgngn…

 

– Lacrou? Pois fique sabendo. Tou pensando numa produção independente. Difícil é achar um pai. Mas o primeiro crush que topar ouvir canto gregoriano sem perguntar se a Rússia é comunista, aí já dá pra conversar.

 

– Por quê? Alguém ainda pergunta isso?

 

– Oxe, miga. Todo boy lixo pergunta, sim. Por isso, já decidi. No dia que aparecer um crush que não faça uma pergunta desse náipe, juro que vai dar match, tesão. Esse, sim, vai ser o pai do meu filho. Não precisa nem ser bonito. Falar nisso… conheci um gato. Lindão, mesmo. Mas, na nossa primeira dêérre, ele mandou uma mensagem bem carinhosa, onde se lia: “agente não tem nada haver”, aff… deletei o contato na hora. Se aparecer outro, vou logo avisando que não curto áudio. Agora, se não aparecer, fico com a primeira mulher….

 

– Eva?

 

– Engraçadinha… Não é Eva, é Lucy, sua criacionista. Macho só serve mesmo pra fazer filho e largar por aí. Você me conhece. Estou tão cansada que, qualquer pessoa que não fale merda, já tá de bom tamanho.

 

– De bom tamanho? haha. Difícil, né? É mais fácil uma agulha entrar no buraco de um camelo do que… Xapralá. Foi mal. Esquece.

 

– Tá bom. De noite a gente se vê na quebrada. Bate aqui. Fui.

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Escute o texto com a narração do próprio autor: