CADÊ O AVIÃO?

 

Vitor de Athayde Couto

No século XV, os portugueses dominavam longas rotas marítimas por mares pouco navegados. As viagens eram incertas e a sua duração era imprevisível. Comerciantes ricos e armadores não conseguiam fazer um bom planejamento logístico. O risco elevado tornava impossível prever custos e prazos de entrega das mercadorias. Mesmo assim, os rendimentos coloniais eram exorbitantes.

No século XVI, em dias de nevoeiro, sebastianistas fanáticos juntavam-se aos comerciantes na beira do Tejo e na foz do Douro. Todos ficavam a ver navios. Os comerciantes, ansiosos pelas mercadorias que lhes dariam bons lucros. Os fanáticos, ansiosos pela volta do rei Dom Sebastião, o Esperado. Como o rei nunca voltou e muitos navios naufragaram ou foram saqueados por piratas (e tampouco voltaram), “ficar a ver navios” ganhou o significado de frustração.

No século XX, os jornalistas do “Pasquim” (tabloide carioca) curtiam com a cara dos paulistanos por não terem praia. Diziam que programa de paulista nos fins de semana era ir até o aeroporto para “ficar a ver aviões”.

No século XXI, o programa domingueiro dos neossebastianistas, pelo interior do Brasil, era ver um solitário avião azul (ou trem, como dizem os mineiros). Com o cancelamento dos voos, agora sem disneylândia, muitos casais, mães solteiras e suas crianças ficaram a ver navios invisíveis, à espera da chegada de um rei salvador, o político Desesperado. Sem tirar os olhos do céu, crianças correm e perguntam: “É o Super-Homem? É o Xandão? É um avião?”

Enquanto isso, os pais-eleitores continuam a ouvir novas velhas promessas. Políticos adoram inaugurar voos, mas nunca comparecem às desinaugurações, ou seja, ao último voo. E ainda fazem de conta que não ouvem, ao longe, a pergunta inocente e frustrada das criancinhas de colo: “Mamãe, cadê o vião?”

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