Aliado estratégico do Palácio do Planalto, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) disse acreditar que, hoje, o presidente Jair Bolsonaro sairia derrotado das urnas. No ano que vem, ponderou, o cenário será muito mais positivo devido à retomada da economia e a reeleição deve acontecer até com facilidade.

 

“O presidente está no pior momento por conta da situação do país. As pessoas estão com muita dificuldade de se alimentar. Estamos num momento difícil, só que o Brasil vai crescer perto de 5% neste ano”, afirmou o senador, que preside o partido Progressistas (PP). “Quem elege e reelege presidente é a economia.”

 

Ciro Nogueira recebeu o Valor enquanto a CPI da Covid, comissão parlamentar de inquérito da qual é membro, colhia mais um depoimento. Entre um gole e outro de café, servido em cerâmica ilustrada com as pinturas rupestres encontradas na Serra da Capivara, famoso sítio arqueológico localizado em seu Estado, o senador antecipou que já está sendo elaborado um relatório paralelo com a visão do governo. Afirmou ainda que grande parte dos seus dias é tomada em reuniões com deputados que querem entrar no partido, embora tenha afastado a possibilidade de o presidente e seus filhos se filiarem ao PP.

 

O senador defendeu o avanço das reformas, inclusive com a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras nos moldes da antiga CPMF. Mas alertou, por outro lado, que é necessário envolver o próprio Bolsonaro para destravar a tramitação da reforma administrativa. A seguir, os principais trechos da entrevista:

 

Destino das apurações da CPI

 

A CPI começou com um foco de pessoas que tinham um interesse muito forte de atacar o governo e criar uma narrativa. Mas, tudo na vida tem dois lados: há quem apoie cloroquina, distanciamento ou não [A cloroquina não tem eficácia científica comprovada e o distanciamento social é visto pelos especialistas como eficaz para combater a disseminação da covid]. Até acho que, hoje, a maioria da população apoia as teses da oposição, mas eu já vi muita CPI e sei que quando há dois lados não há resultado definitivo. CPI dá resultado quando tem um escândalo, uma gravação, um inquérito da Polícia Federal ou do Ministério Público que não deixe dúvidas.

 

Erros no combate à pandemia

 

Erros aconteceram. É uma situação que não tem inocente, inclusive eu. O quadro político do país tem uma culpa muito grande. E o mundo não estava preparado. Mas, a narrativa de criminalização do governo, até agora, caiu por terra. E agora vai chegar em um momento que não tinha como evitar: a questão dos desvios de recursos públicos por parte dos governos locais. Não tem como segurar as convocações e, no final, é isso que vai pesar na opinião pública: quem desviou recurso público na pandemia. Podem me cobrar. Não tem como ter bala de prata contra o Bolsonaro. Não tem acusação palpável.

 

Cloroquina

 

O presidente aconselhou o uso de cloroquina? Eu mesmo tomei cloroquina. O David Uip [ex-coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus de SP] tomou cloroquina [Uip usou antes das pesquisas que não mostraram a eficácia do remédio]. Quando usei, achei que aquilo estava me ajudando. Hoje talvez não usaria. Não houve má fé do presidente Bolsonaro. Ele acredita nisso. Isso não é crime.

 

Ampliação do prazo da CPI

 

O ideal era que acabasse em 90 dias, mas não tenho a menor perspectiva [de que isso aconteça]. Como o governo não tem maioria, não há a opção. Pelo que conheço do perfil das pessoas no comando da CPI… O Renan [Calheiros, relator], pelo ostracismo que estava nos últimos tempos, vai perder o holofote? O Randolfe [Rodrigues], que vive de holofote, vai querer? O próprio Omar [Aziz, presidente], que tem se portado muito bem, tem importância grande para o seu Estado [Amazonas].

 

Missão na CPI

 

Eu não gostaria de estar lá na CPI. Não é meu perfil. Não gosto dos bate-bocas, das discussões. Mas, fiquei sem alternativa no meu partido. Fui para cumprir um papel de ajudar porque tenho um diálogo muito bom com o Renan. Omar também é um grande amigo, tanto que votei nele [para presidente da CPI]. Não o vejo como um perfil de oposição ao governo. Fui tentar mediar isso porque não vi alternativas no Parlamento para este perfil que estou tendo.

 

Narrativas versus erros reais

 

Erros aconteceram, mas algumas narrativas criadas foram erradas. A mais emblemática delas é a da vacina da Pfizer. No começo, eu até pensei que o governo não tinha comprado as vacinas como deveria, mas na verdade não criou nenhum dano. A Pfizer nunca ofereceu vacina para o primeiro trimestre. Era uma coisa simbólica. Acabou que o governo comprou mais do que foi oferecido. Houve pessoas que não deviam participar das discussões? Foi. Mas não tem um crime aí, nenhuma acusação de alguém que levou vantagem. Pode ter sido mal conduzido, mal discutido. Mas não tem crime aí.

 

Governadores do Nordeste

 

Não sei se eles vão dar o tiro no pé de ir ao Supremo Tribunal Federal para não comparecer à CPI. Acredito que eles vão, mas para falar só de recursos federais. Esse caso do consórcio talvez o Supremo não deixe tratar na CPI porque não tem ali recurso federal, é estadual. Mas, que teve um escândalo ali, teve. Vai ter o constrangimento de perguntar e o cara não responder. Uma coisa é você falar de cloroquina. Outra, de roubo.

 

Relatório paralelo

 

Pelo perfil, vai ficar entre mim e o Marcos Rogério (DEM-RO) a preparação desse relatório. Nossas assessorias já estão preparando material.

 

Presidente em aglomerações

 

Eu sou contra total. Se tivesse poder de evitar isso, eu faria. Eu já fiz muito. Eu já tentei, mas ele é uma figura muito impulsiva. Acho até que melhorou muito, está usando muito a máscara. Sempre tenho dito que ele tem que dar o exemplo. Eu sou favorável a uso de máscara e distanciamento.

 

Impopularidade e pandemia

 

Hoje, se você faz uma pesquisa de opinião, o governo não tem uma imagem positiva na pandemia. Essa mesma imagem se reflete na intenção de voto. É mais ou menos a mesma coisa. Hoje o presidente tem minoria, mas tenho certeza que vai chegar com a maioria no próximo ano. Não é a CPI que determina isso.

 

Reeleição

 

Já existe uma percepção de que a pessoa tem direito à reeleição. Isso já está no sentimento [da população]. Para a pessoa não ser reeleita tem que estar um desastre. Hoje, ele [Bolsonaro] não seria reeleito, mas no próximo ano a perspectiva é muito boa. Muito positiva. O mundo está comprando muito. Não tem nada que o Brasil produza que os preços não estejam maravilhosos. O mundo está comprador e vai precisar cada vez mais do nosso país. Não vejo como o próximo ano não seja fantástico para o Brasil e, se isso ocorrer, o presidente vai ganhar a eleição e ainda, acredito, com muita facilidade.

 

Recuperação da imagem

 

O presidente está no pior momento por conta da situação do país. As pessoas estão com muita dificuldade de se alimentar. Estamos num momento difícil, só que o Brasil vai crescer perto de 5% neste ano. Quem elege e reelege presidente é a economia. Vamos fazer um grande programa para ajudar as pessoas substituindo o Bolsa Família.

 

Bolsonaro versus Lula

 

Nós temos um candidato com uma identificação popular muito grande. O outro lado também tem. Pelas pesquisas que tenho, as pessoas gostam do presidente Lula e têm um pouco de saudade do governo dele, mas não tem mais nada odiado no país do que o entorno dele. Essas pessoas que foram muito massacradas nos aeroportos e na rua estão querendo voltar de um jeito que não vão resistir à tentação de estar ao seu lado. Isso vai ser fatal. E o Lula não é mais o Lula… Não é um homem capaz de comandar esse processo sem essas pessoas. O grande discurso é: “O Lula de hoje que está vindo aí não é aquele Lula. É o Lula para trazer o PT de volta”. Não tem partido mais odiado no país do que o PT.

 

Filiação de Bolsonaro e filhos

 

Eu não acredito que o presidente venha para o Progressistas. Ele tem uma quantidade grande de lideranças que querem o comando do partido nos Estados e, se existe um partido estruturado no país hoje, é o nosso. O partido está num momento crescente, está indo muito bem, e temos 50 deputados querendo entrar no Progressistas. Meu dia inteiro é recebendo deputados que querem vir para o partido na janela. Tenho pensado partidariamente e eu não teria como dar uma reviravolta, tomar o comando nos Estados e entregar para o pessoal dele. Não tenho como e ele precisa disso. Então, o natural é ele ou retornar ao PSL – existe essa discussão – ou ir para um partido menor. O foco é esse. Não vejo perspectivas de ele ir para o Progressistas ou para qualquer partido desse tamanho, por conta da questão do comando dos Estados.

 

Possível coligação de Bolsonaro

 

Pela tendência, os três partidos que hoje a gente marcha muito junto: eu, o Valdemar [Costa Neto, presidente do PL] e o Marcos Pereira [presidente do Republicanos]. Será uma surpresa muito grande, se não. O Progressistas não vai estar com o Lula e acho que, pelo perfil desses partidos, [eles também] não vão.

 

PSD

 

O [presidente do PSD, Gilberto] Kassab é um homem muito experiente. Com a eleição ainda imprevisível, acho que ele quer decidir no momento correto. Mas não fechou as portas – já conversei com ele – de vir com a gente. Se o Kassab fizer uma pesquisa lá dentro, 80% é o perfil do presidente ou mais. Ele pegou alguns atores importantes agora, como os prefeitos do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte. Para ele ter pego essas pessoas com esse perfil, ele prometeu que ficaria pelo menos independente. Mas, se lá na frente o presidente engajar numa eleição vitoriosa, o Kassab é a pessoa mais solidária ao inevitável.

 

DEM

 

O caminho natural é vir com o presidente. Eu sinto. O DEM sempre sonhou em ter uma terceira via, mas o próprio ACM Neto tem uma eleição contra o PT lá [na Bahia] que ele vai precisar de um palanque forte. Acho que o único palanque forte vai ser o do presidente. Os governadores Ronaldo Caiado [Goiás] e Mauro Mendes [Mato Grosso] são presidente [Bolsonaro]. O ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre é presidente.

 

Terceira via

 

Acho difícil. Duas pessoas [Bolsonaro e Lula] com tanta intenção de voto e muita rejeição… É muito difícil surgir.

 

Diálogo com Lula

 

Tenho um carinho enorme pelo presidente Lula. Mas, seria muito ruim hoje, com este posicionamento que eu tenho, ter uma conversa com ele. Por mais que fosse fraternal, as pessoas não iam entender, então isso não pode ocorrer. Nem vai ocorrer. Eu já tenho esta posição e as pessoas não iam entender. Tem muita teoria de conspiração aí, melhor não permitir isso.

 

Críticas ao Centrão

 

Acho que isso já faz parte. Criou-se uma imagem e é difícil tirar isso, por mais que os fatos não corroborem. O que foi que mudou nas nossas votações em comparação com quando não tínhamos cargos? O presidente deixou claro desde o início de que não vai ter troca de cargo por apoio político. Este é o primeiro governo que não entregou um ministério para um partido fazer o que quiser lá.

 

Chamado “orçamento paralelo”

 

Desde quando o mundo é mundo, sempre aconteceu isso [emendas]. Não teve nada de novo. Emendas orçamentárias para quem é da base de apoio é algo natural. Até hoje eu não vi uma vírgula que não tenha acontecido desde Fernando Henrique [Cardoso]. Por que é importante para o meu Estado que eu esteja ao lado do presidente? Eu levo mais recursos. Quer dizer que o Wellington Dias [governador] vai levar mais recursos para o Piauí do que eu, que sou da base de apoio? Eu quero que aquelas obras aconteçam, isso é natural. Não tem nada de ilegal ali. Não tem um desvio. Nada. São obras que são importantes, que são levadas pelos aliados do governo. Não podem ser levadas pelos opositores.

 

Avaliação dos ministros

 

Melhorou muito. O Itamaraty hoje tem um grande chanceler, que tem ajudado muito. É uma pessoa atenciosa, busca incansavelmente um relacionamento com todos os países. O [ministro do Meio Ambiente, Ricardo] Salles está tendo esse problema porque ele perdeu a batalha da comunicação. Acho que é um homem extremamente competente, mas a comunicação foi atrapalhada por essa questão ideológica e pelo Itamaraty, que não soube defender fora do país. O governo tem agora um ministro da Saúde excelente. Temos um governo hoje muito melhor do que tínhamos há três meses.

 

Guedes e Marinho

 

A parte econômica tem que ter mais união, [o ministro da Economia, Paulo] Guedes com Rogério Marinho [ministro do Desenvolvimento Regional]. A gente nota que não tem muito diálogo. Isso é um erro. Não vou dizer quem está certo, quem está errado. Governo é um só. Não dá para ter disputa. Eu sempre fui a favor de ter dois tipos de pensamentos em governo, por isso sempre gostei de ter um Ministério do Planejamento e outro da Economia. Historicamente, são sempre pessoas com cabeças um pouco diferentes [nessas pastas]. Eu acho que isso é positivo, e aí o presidente é a pessoa para dar o veredito final. Uma coisa é você ter um pensamento divergente, mas tem que ter uma visão de os dois atuarem no mesmo time. Não pode ser um adversário do outro.

 

Candidato a vice

 

Temos nomes hoje, nomes que estão se filiando ao partido, nomes maravilhosos. Mas acho que, pelo perfil do presidente, ele vai escolher uma pessoa de muita confiança. Alguém que não crie um temor, no futuro, de que possa traí-lo. Noto que ele tem uma preocupação grande quanto a isso. Defendo que o nome do vice seja um nome que dê tranquilidade ao presidente. Se tiver no meu partido, maravilhoso. Nós não estamos discutindo isso ainda, mas hoje temos quadros maravilhosos. O partido vai receber adesões importantes, mas que não posso falar ainda. E eu acho que a vice não vai ser escolhida tão cedo. Defendo que não seja tão cedo. Tem que ser a última coisa a acontecer. Acho um erro, seja quem for a pessoa, definir um vice agora. É um erro grave. Vou aconselhar o presidente a não cometer, mesmo que ele já tenha um vice na cabeça. Tem muita gente tentando, se mostrando, tentando se viabilizar. O vice que tenta se viabilizar hoje pode não ser a melhor opção amanhã.

 

Reforma eleitoral

 

Vai ser o mínimo possível. Está se discutindo diminuir quantidade de candidatos e vai acabar aquela questão da “sobra”. Antigamente, para fazer um deputado, você tinha que fazer a legenda. Agora não. A sobra é dividida. Isso vai acabar, já chegou a esse consenso. Voto impresso não vai passar. Nem tem como operacionalizar. Além de ser caro, teria que trocar as urnas. E até hoje não se provou que houve fraude na eleição.

 

Reforma administrativa

 

Temos que fazer urgentemente. Falei com o [presidente da Câmara, Arthur] Lira, ele está muito imbuído e uma parte do governo [também]. O presidente [Bolsonaro] não está tão imbuído. Nós temos tentado convencê-lo sobre a necessidade disso.

 

Reforma tributária

 

Tem que ser feito alguma coisa para dar uma enxugada, nem que seja uma coisa pequena. Não fomos capazes de fazer uma reforma ampla, mas pelo menos melhorar o sistema de arrecadação e diminuir esse custo absurdo. Não vejo como diminuir carga tributária, mas também não quero que aumente. Tem que pelo menos dar uma enxugada para tornar o sistema tributário mais sensato.

 

CPMF

 

Eu concordo. Não sou contra. Temos um problema sério de como arrecadar em alguns setores e o imposto de transação é bom, mas só se for focado para pagar, por exemplo, um auxílio [emergencial]. O Congresso não vai aprovar um imposto hoje para arrecadar. Agora bota lá uma CPMF para pagar o auxílio que todo mundo apoia. Tem que ter uma contrapartida para a sociedade.

 

Fonte: Valor Econômico