E SE A GASTANÇA VIRAR DEMANDA EFETIVA?

 

Vitor de Athayde Couto*

 

Por que as previsões econômicas valem uma nota de três reais? Simples. Por não ser uma ciência exata, sequer experimental, sem laboratórios nem vacinas, a ciência triste só tem um recurso epistemológico: os seus pressupostos. Basta ver as últimas análises. O IBGE calculou a queda do PIB do segundo trimestre de 2020 (-9,7%), enquanto o IPEA projeta um crescimento (+4,7%) para 2021.

 

Fazer projeções com base em crescimento de pibes passados é como dirigir automóvel olhando para o retrovisor por estradas cercadas de incertezas. A do IPEA tem pelo menos duas: SE a pandemia for totalmente controlada, e SE o governo fizer as reformas. Mesmo sem perguntar “que reformas?”, já posso adiantar que estamos diante de outra nota de três. Então, o que fazer?

 

Respondo: Subir nos ombros dos gigantes. Começo por Belluzzo: “a especificidade da ação econômica, num ambiente de decisões descentralizadas, é definida pelo caráter crucial das antecipações do grupo social controlador da riqueza.” Ele apoia-se em Shackle, que combina Hayek e Keynes, e confere às decisões de investimento privado um caráter crucial, na medida em que “criam o futuro”. Ora, a única certeza que temos são as incertezas. Nesse ambiente, a configuração da Economia muda a cada momento.

 

Pergunto: Que “vantagem privada” teria o grupo social controlador num cenário de saudosismo estatal-desenvolvimentista (ex-nacional)? E se a gastança virar demanda efetiva? E se essa demanda determinar a produção? Et pourquoi pas rêver?

 

Opino: Neste ano de pandemia, estima-se um déficit do governo em torno de R$1 trilhão. Assustador? Sim e não. Para um PIB de R$7,3 trilhões, são 13,7%. Até dezembro os auxílios emergenciais devem somar um terço do déficit. Eis aí a demanda efetiva que movimenta a produção. Novamente, aqui, qualquer numerologia será a terceira nota de três reais. Por quê? Porque uma parte considerável dessa demanda-produção (quase um quinto do PIB oficial, mas pode ser o dobro se consideradas as transações ilícitas) é inestimável, por ser invisível. Essa fração do PIB é informal, na qual está inserida a “economia dos setores populares” (Kraychete).

 

Correm por fora do PIB formal iniciativas lícitas diversas: produção de máscaras e comidas caseiras, serviços de entregas, obras populares (puxadinhos), etc. Que fenômeno tão brasileiro é esse? Consumo? Investimento? Combinação dos dois? Se uma teoria diz que não há crescimento sem investimento, e, outra, que não há crescimento sem consumo, isso revela que muita coisa está correndo por fora do IBGE e das teorias dominantes. É preciso teorizar a relação entre consumo-investimento e o crescimento. Sem esquecer que costureiras compram tecidos e máquinas, comidas são feitas com produtos da agroindústria de alimentos, entregas são feitas em motocicletas, puxadinhos requerem materiais de construção. A recente elevação dos preços nos supermercados é um bom sinal para o crescimento, no “turbilhão de ações egoístas (…) e nos planos individuais de utilização da riqueza” (Belluzzo).

 

Concluo: Não é só o agronegócio que cresce em plena pandemia. A economia invisível, coadjuvante do crescimento, vai surpreender as taxas de crescimento do PIB formal nos próximos anos… SE o auxílio emergencial continuar. Refiro-me ao Brasil. Por que não sonhar?

 

* Professor de Economia