ESQUERDA OU DIREITA?

 

Vitor de Athayde Couto

 

Rir é um ato de resistência

(Paulo Gustavo)

 

– Em Parnasia, quase ninguém consegue distinguir a esquerda da direita.

 

– Por quê? Falta de educação política? – perguntou Anaïs.

 

– Política, não, miga. Falta de Educação, só isso. Quando dou carona para alguém, peço que o passageiro vá me ensinando o caminho, pois na cidade turística não existem placas indicando os nomes das ruas. Os endereços normalmente são assim: “ao lado da lan house” ou “em frente ao bar da Ceiça”. São raras as pessoas que distinguem os sentidos. Num cruzamento, pergunto se devo dobrar à esquerda ou à direita. O carona aponta com a mão e responde “é por aqui, ó”. São segundos preciosos, em que o motorista não olha pra frente. Não acredito em educação adjetivada, a exemplo de educação política, financeira, ambiental, cívica, militar… Como só acredito em Educação com “E” maiúsculo, não vejo futuro. – disse Mani, com muita seriedade.

 

– Ora, miga, não seja pessimista.

 

– Impossível. Atualmente não consigo mais ser otimista.

 

– Por quê?

 

– No Brasil, ser otimista é ser desinformado. Não sou otimista nem pessimista.

 

– E o que você é, então?

 

– Saudosista.

 

– Faz sentido, mas, por que todo parnasiano é saudosista?

 

– Porque aqui só tem passado. O presente? Melhor esquecer. Futuro? Futuro é projeto. Em Parnasia não tem projeto. Refiro-me a projeto de sociedade. Triste de uma cidade cujo melhor lugar é o aeroporto. Desde que tenha voos diários, claro.

 

– Eita, você hoje tá que tá! Pois vamos falar do passado.

 

– Isso mesmo, bata aqui! Antigamente todo mundo sabia distinguir esquerda de direita. Hoje tá tudo embolado.

 

– Tindí nada! Desenhe aí, dê um exemplo, sempre ajuda.

 

– Tá, por exemplo… antigamente as pessoas usavam relógio de pulso…

 

– Relógio de pulso? Diabéisso?

 

– Não sabe? É uma das maiores invenções do franco-brasileiro Santos Dumont.

 

Para não perder tempo e também para se segurar melhor na sua escada (outra invenção maluca), ele amarrou um pequeno relógio de bolso no próprio pulso. Assim ele ficava com as duas mãos livres. Como era muito supersticioso, o primeiro degrau da escada ficava do lado esquerdo. Desse modo, era impossível começar a subir pela direita. Por sua causa convencionou-se que os relógios também deviam ficar no pulso esquerdo, para não dar azar. Ele não morreu de queda de escada, nem de avião, ao contrário de muitas outras vítimas dos seus próprios inventos. Atualmente os relógios de pulso foram substituídos por celulares, que ficam no bolso de qualquer banda da bunda, no carro, na mesa do bar, nas bolsas, na privada…

 

– Entendi. As pessoas não dominam mais o sentido.

 

– Pois é. E como já não se praticam mais entretantos, as alianças de compromisso foram substituídas por tatuagens arrependidas, pins, apliques diversos, e as preliminares etológicas que servem para marcar território.

 

– O que você chama de entretantos?

 

– São etapas que começam por negociações entre as famílias, passando por flertes, paqueras, namoros de portão e noivados, antes do casamento.

 

– Ah, já ouvi falar. Aliança na mão direita, tá noivando. Na esquerda, tá casada.

 

– Isso mesmo. Os elementos vitais e sérios ficam do lado esquerdo do corpo: escada representa segurança; relógio, pontualidade, responsabilidade; aliança, casamento, família constituída; coração simboliza o amor e o sangue da vida. Ambos são vermelhos.

 

– Ufa! Pensei que você fosse falar de política.

 

– Nem pense. Vou até concluir esta conversa contando um fato relacionado com as nossas gloriosas forças armadas.

 

– Pois conte.

 

– Em Parnasia havia um centro preparatório de recrutas em frente à Praça da Sé. Todo jovem de família séria almejava fazer o Tiro de Guerra porque dava bons casamentos. O encarregado da formação dos atiradores era sempre um oficial vindo de fora. Ao chegar em Parnasia deparava-se com uma enorme dificuldade – os recrutas nativos não dominavam o sentido da esquerda nem da direita. Para executar manobras como marcar passo, marchar e volver para o lado, a ordem do comando deveria ser “esquerda-direita-esquerda-direita…”. Mas isso era tarefa impossível para recrutas sem noção de sentido e direção.

 

– Iaí? Como ficou?

 

– O oficial, que era muito inteligente, mirou as palmeiras da praça. Ao perceber que uma grande palma seca tinha caído sobre a grama, mandou que cada recruta retirasse uma embira e amarrasse na bota que ele designasse, mostrando a cada um qual era o pé esquerdo.

 

– E deu certo?

 

– Certíssimo. Em vez de comandar esquerda-direita-esquerda-direita… o oficial gritava: ORDINÁÁÁRIO, MARCHE!!! Pé-com-palha, pé-sem-palha, pé-com-palha, pé-sem-palha…

 

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: