TATUAGEM ARREPENDIDA

 

Vitor de Athayde Couto

 

Não sei o que significa tatuagem arrependida. Mas ouvi um diálogo entre uma universitária baby boomer, e outra, da geração miojo. Foi mais ou menos assim:

 

– Tenho que encontrar! Preciso encontrar logo! – disse a miojer.

 

– O que, miga? – disse a sister, já preocupada.

 

– Outro crush com o mesmo nome.

 

– Que nome?

 

– O nome que eu mandei tatuar quando era idiota e vivia bêbada e apaixonada, até descobrir que fui traída.

 

– Era idiota? Era?, haha. Ora, é só apagar a tatuagem.

 

– Não posso. É muito caro. Eu teria que ir até um labtop, em São Paulo, a maior referência em tatuagens da América do Sul.

 

– Pois eu tenho um bróder que resolveu esse problema aqui mesmo, em Parnásia. Ele fez todo o procedimento lá no Mercado do Ladrão e do Receptador, recentemente requalificado pela prefeitura.

 

– A feira do troca-troca?

 

– Sim, para os íntimos, haha. Isso mesmo. Lá tem uma barraquinha muito conhecida do público descolado, a “Clínica do Tatoo Arrependido”.

 

– Crínica do Tatu?, haha. Nossa, como Parnásia tem crínica!

 

– Não. É clí-ni-ca! Clínica do Tatoo, com dois “ó”, do doutor Tatuatore, um ítalo-paulista. Ele veio pra Parnásia, atrás de uma namorada, e por aqui ficou. Diz ele que fez residência e pós no Hospital Marambá, em Tatuapé. Ele se garante. Diz que foi avaliado, testado nas fases 1, 2 e 3, aprovado, credenciado e autorizado pela Anvisa. Diz que já apagou tatuagem até de recém-nascido.

 

– Recém-nascido? Como assim?

 

– É que gravaram o nome do bebê na barriga da mãe, quando ela ainda estava grávida. A marca atravessou o couro dela e atingiu a bundinha do bebê.

 

– E como é o nome do bebê?

 

– É, não. Era. Era Pedro, o mesmo nome do avô.

 

– E por que a mãe quis apagar?

 

– Porque o Pedro cresceu e não queria mais ser Pedro. Foi até o cartório, cancelou Pedro, e registrou um nome social.

 

– Qual?

 

– Samara.

 

– …

 

– Viu? De que adianta tanta briga de família na hora de escolher o nome do bebê? Dias e noites combinando nomes de avós e outros antepassados… Dias e noites estudando significados nos dicionários de nomes próprios…

 

– Agora, me diga. Qual foi o nome que o doutor apagou no peito do seu bróder?

 

– Não apagou. Como disse, apagar, mesmo, só nos labtops, em São Paulo. Meu bróder também vivia bêbado, surtado e apaixonado por uma mulher de verdade, e mandou tatuar “Amélia”.

 

– Mulher de verdade? Por quê? Só porque ela não é gay? Nem bi? Nem…

 

– Não, não é isso… é por causa da música, “Ai, que saudades da Amélia”, do Mario Lago e Ataulfo Alves. Você não conhece?

 

– Não.

 

– Claro, claro! Você é muito jovem e ainda não deve saber lavar, nem cozinhar. É assim, miga, ó: “Amélia não tinha a menor vaidade / Amélia é que era mulher de verdade”. Essa música fez tanto sucesso nos anos 40, que muitos pais deram o nome de Amélia às suas bebês. Mas não é o caso da ex-mina do meu bróder. Ela também é muito jovem. Toda jovem que se chama Amélia é porque tem uma avó com esse mesmo nome, pode reparar.

 

– Verdade, conheço algumas… E como se chama a mina dele atual?

 

– Emília. Também é nome de avó, haha.

 

– Emília? Ora, aí é moleza! Basta ajeitar o “A” e o “é”. Aproveita até o acento.

 

– Verdade, ficou um pouco mais ou menos meia boca, mas passa. O doutor ajeitou tudo, e ainda botou uns coraçõezinhos pra cobrir as imperfeições. Dá pra enganar qualquer namorada, sempre que a fila andar, haha.

 

– Legal, mas, pra mim não vai dar certo.

 

– Por quê?

 

– Porque o meu ex-namorado se chama Dyjanneydisson. É assim que está tatuado na minha barriga, logo abaixo do umbigo. Quer ver?

 

– Miiina! Com dois ípsilons e dois ésses! E ainda tem três enes! Tadinha…

 

– Pois é, miga. Você acha mesmo que eu vou encontrar um crush com um nome escrito exatamente assim? Já perdi todas as esperanças…

 

– É. Isso aí nunca vai dar match… Mas eu tenho uma solução.

 

– Diga, diga!

 

– Quando você for azarar na náite, vá sempre com uma roupa que esconda esse palavrão aí. Se der match, você diz pro crush, assim tipo sem-querer-querendo: “Mo-ô! Tu é tão bonito! Tou apaixonada por tu. Mas tu não tem cara de Marcelo. Se a gente namorar, só vou te chamar de Dyjanneydisson. Acho lindo. Ainda vou ter um filho com esse nome. Bora?” Nesse momento, você abre um sorriso e…