FOI O CORRETOR

 

Vitor de Athayde Couto

Quando me ausentei do país para estudar, entreguei meu único imóvel, uma casa residencial, para um corretor alugar, sob a condição contratual de tê-la de volta em dois anos, quando eu fosse repatriado com a família.

Precisava muito do dinheiro do aluguel para ajudar nas despesas que seriam feitas em euros.

Para meu azar, o corretor era “temente a Deus” e alugou a casa a um “pastor” da sua própria “igreja”, da qual eu nunca tinha ouvido falar. É preciso ter sorte com inquilinos, pois até entre as igrejas pode existir algum joio que nem os corretores conseguem distinguir ou separar daquilo que é sério.

Nos fundos da casa havia um gramado e plantas, onde meus filhos pequenos brincavam felizes. Sem me consultar, e, contrariamente à legislação municipal, os fiéis impermeabilizaram tudo com cimento e fizeram um puxadinho – um galpão para cultos, coberto com telhas de amianto. Pode-se prever que o pastor não ia querer devolver a casa tão cedo, depois de dois anos, conforme combinado.

Confesso que sentia minha orelha coçar cada vez que os vizinhos comentavam sobre a perda do sossego que havia no bairro antes da chegada daquela “igreja” com seus alto-falantes chicleteiros.

De volta ao Brasil, debatemos o assunto; afinal, eu não tinha outro imóvel onde pudesse alojar minha família. No debate, longe de um acordo, percebi logo a enrolação primária, típica de certos “pastores”:

– O senhor não é temente a Deus? – perguntou o “pastor”.

– Não, não sou temente a Deus, como o senhor está dizendo. Deus é amor. Ele me ama e eu tenho muito amor por Ele. Medo, nunca – respondi.

– Então, veja, professor… O senhor é professor, não é? – Permaneci calado, pensando que, não havia mais dúvida, eu estava mesmo de volta ao Brasil.

O pastor não parava de citar parábolas tabajaras, tentando em vão arremedar Jesus:

– Veja, professor, o tempo aperfeiçoa o vinho. Quanto mais velho, o vinho fica melhor, não é?

– Depende – eu disse, e continuei. – Se o vinho for de guarda, bem engarrafado e tampado, acondicionado corretamente, pode ser que melhore. Mas se for, por exemplo, um Beaujolais, que não é um vinho de guarda, deve ser consumido na mesma safra. Neste caso, o tempo não melhora; ao contrário, pode até estragar o vinho.

O “pastor” simulou uma cara de pessoa inteligente, mas não convencia. Falava de vinho com a convicção de quem nunca plantou uma videira, nunca preparou o terreno, corrigiu, adubou, preparou mudas, podou os ramos indesejáveis, nunca combateu doenças e pragas, e nem sequer rezou para que não geasse perto da colheita. Do vinho, nem se fala. Vinho, para ele, deve ser feito de água, como nas bodas de Caná, cuja simbologia ele nunca entendeu. Afinal, os “pastores” daquela “igreja” não trabalham – só sabem fazer “milagres”, principalmente o da multiplicação.

Àquela altura, eu só pensava em sair correndo dali. Sentindo-me derrotado, já ia dar o trâmite por findo. De repente, minha filha pequena, que brincava ao meu lado, fez uma pirueta no chão, e o seu cordão saltou de dentro da blusa, exibindo um crucifixo. Ao ver aquela peça abençoada, o “pastor” deu dois passos para trás, bem no estilo Christopher Lee, o famoso Drácula do cinema.

Recompôs-se e quis saber sobre a origem e a história daquele belo crucifixo, decorado com um pedacinho de cedro. Confesso que não resisti e devolvi a ele as histórias divertidas que ouvia dos meus amigos jesuítas, nas conversas do almoço durante as ações pastorais. Contei ao “pastor” que o cedro tinha sido retirado da verdadeira cruz de Cristo há mais de dois mil anos.

Padre Kelmendi, um jesuíta de origem armênia, meu saudoso confessor e orientador, ria muito ao dizer que os crucifixos vendidos no mercado, feitos com pedaços da “verdadeira” cruz de Cristo, têm mais cedro do que em todas as florestas do Líbano. Daí ele lembrava que todo o uísque escocês vendido no mundo tem mais água do que nas montanhas da Escócia.

Sem mais parábolas tabajaras, o “pastor” concluiu prometendo entregar a casa no prazo de trinta dias. Hospedados com parentes, aguardamos o milagre que finalmente aconteceu, graças a Deus.

NOTÍCIA

Já se encontra à venda, com capa desenhada no computador pelo meu neto Dian Couto, aos 13 anos de idade, o livro de minha autoria “O paradoxo de Pinóquio” que acaba de ser lançado pela Autografia, Rio de Janeiro. O livro também pode ser adquirido na versão e-book ou kindle. Clique nos links em negrito azul, ou nos endereços abaixo.

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