FOQUIÚ
Vitor de Athayde Couto
– Finalmente saiu o ranking do uso de palavrões nas capitais brasileiras! Mas…
– Mas, o quê, Vado? – perguntou Guirindó.
– Mas acontece que eu sou baiano. E do Recôncavo! Soteropolitano, meu rei!
– E kiko?
– Mas acontece que eu não me conformo.
– Não se conforma com o quê, bróder?
– Mermão, não me conformo que a Bahia tenha ficado em quinto lugar nesse concurso de palavrões. Logo a Bahia, terra de Jorge Amado e do Boca do Inferno. Estou injuriado.
– E quem tirou o primeiro lugar, bróder?
– Você não vai acreditar, mermão. Pois foram as capitais dos Estados onde se encontram os melhores indicadores de educação no Brasil.
– E quais são essas capitais, meu bróder?
– Acredite, mermão. São, pela ordem, o Rio de Janeiro, Brasília e Fortaleza, onde a média falada é de oito palavrões por habitante e por dia!
– Brasília, tudo bem. Afinal, é lá que se concentram os políticos mais xingadores. Mas, com base na sua literatura desprendida, Salvador merecia mesmo o primeiro lugar.
– Com certeza, mermão. O pior é que ainda tem mais gente na nossa frente, repare: em São Paulo e Belo Horizonte, falam-se em média sete palavrões por dia. Em Manaus, seis. O quarto lugar, com cinco palavrões, é ocupado pelas capitais Porto Alegre, Natal, Curitiba e Recife. Finalmente, só em quinto lugar, aparece Salvador? Essa porra tá errada, carái. Tá rebocado, piripicado! Kirika na buçanha! Armaram um pé-de-pica só pra nos desmoralizar! Pronto! Já falei meus quatro palavrões diários. E agora, mermão? E se eu der uma topada ainda hoje? Vou ter que esperar até amanhã pra gritar, aguentando aquela dor retada no dedão do pé? E se o Bahia ganhar? Não vou poder gritar Baêa, minha porra? Não, não, é niúma! Essa putaria aê tá toda errada! Só quatro palavrões pros soteropolitanos? É muito pouco.
– Verdade, bróder. Concordo com você. Lembro que, nas aulas de literatura, as citações mais famosas do mundo eram as seguintes, conforme a procedência:
Portugal: “As armas e os barões assinalados” (Luís de Camões).
França: “O essencial é invisível para os olhos” (Saint Exupéry).
Inglaterra: “Ser ou não ser, eis a questão” (William Shakespeare).
Alemanha: “Infeliz a nação que precisa de heróis” (Bertolt Brecht).
Itália: “E pur si muove!” (Galileu Galilei).
Brasil: “Ele se move!” (Eyshila, cantora gospel).
Bahia: “Puta que pariu!” (frase preferida de Jorge Amado).
– Ichcrotidão, meu rei, muita ichcrotidão. E, na moral, os baianos merecem o primeiro lugar nessa porra. Até porque, fora do Brasil, nós só perdemos pros americanos. Sem sacanagem, de duas palavras que os americanos falam, uma é fuck. Lembro do Dick, um gringo brigão. Ele vivia aqui em Salvador, lá em Ondina. A raça só chamava ele de Foquiú! Foquiú!
– E ele? – perguntou Guirindó.
– Oxente, ele sempre se retava e ainda queria rumar a porra no primeiro que viesse com ousadia. Mas a raça gritava fuibandamel, e todo mundo se picava na paleta até a casa do carái de asa. Bem de longe, eu ainda ouvia Foquiú! Foquiú!…
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