MARIA ISABEL

 

Vitor de Athayde Couto

 

Um leitor enviou um comentário acompanhado do link de mais uma das imperdíveis colunas do Marcos Nogueira, no blogue Cozinha Bruta (leia aqui). A coluna, intitulada “São Paulo numa pizza de muçarela”, foi postada no dia 28/01/02. No comentário o leitor sugeriu que eu fizesse, para o Piauí, um índice semelhante ao da pizza, usando como parâmetro um certo prato conhecido como arroz maria isabel, ou, simplesmente, maria isabel.

 

Não sei onde ele andou lendo que arroz maria isabel é um prato típico do Piauí. Como o Piauí também faz parte da grande Parnasia que é o Brasil, tudo é possível. Como diria Millôr “inventar é só inventar”.

 

Certa vez naveguei na internet à procura de uma receita de tiramisù. Encontrei nada menos do que 40, todas completamente diferentes uma da outra. Portanto, não me surpreendo se encontrar outras tantas versões sobre a origem desse tal arroz maria isabel. Provavelmente irei me deparar com uma versão tropeira, de trabalhadores. Ou senão com alguma versão para o nome do prato, como a junção dos prenomes das filhas de uma certa cozinheira que “inventou” o prato: Maria e Isabel.

 

Mas o que não falta nas parnasias são “historiadores” autodeclarados que só sabem interpretar a realidade de um ponto de vista elitista, ou seja, do alto da casa grande. Daí até inventarem que o nome do prato é uma homenagem bem hollywoodiana dos escravos à sua nobre senhora da colônia é um pulo. Dona Maria Isabel é mais uma dessas milhares de damas aboletadas em casarões coloniais. Bem que o prato podia se chamar arroz princeza izabel – sim, a princeza, com “z” de zorra. A princesa nem é Maria, mas é Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon. E haja arroz! Ah, como faz falta o Stanislaw Ponte Preta e a cozinha do crioulo doido.

 

Como é carnaval, dá vontade de entrar na Marquês cantando o samba-enredo Maria Isabel, desfilando na escola Acadêmicos da Gastronomia. “Pegue a esteira e o seu chapéu / Traga o arroz, Maria Isabel”. Dá pra imaginar o sucesso do refrão nas arquibancadas “Tiribiribim popopopó”. Ouça aqui, ao vivo, no Festival de Bandas Gaúchas.

 

Ao confessar minha ignorância na arte da invencionice culinária, peço ajuda aos grandes mestres da história da alimentação para formular a seguinte tese: no auge do ciclo do ouro, quando o Piauí ainda nem existia, os cearenses estavam por cima da carne seca. Aí veio a seca e eles se deslocaram para o sul do Brasil onde não faltava carne para charque. Aí emerge a questão: foram os cearenses que levaram a receita tropeira do arroz com carne seca para o sul ou trouxeram de lá a receita tropeira do arroz (de) carreteiro? Aí uma certa Maria Isabel caiu do céu… Aí fica a critério do leitor escolher se a certa Maria Isabel será, no seu imaginário, uma dama homenageada por escravos ou terá sido a cozinheira. Aí o leitor vai alterando as receitas, mas, atenção, só não vale incluir maionese, ervas finas, nem vinagre balsâmico porque aí… Aí o prato vai virar riz Marie-Isabelle gourmet, vai ser servido num prato quadrado e custar o triplo do preço. Aí os tropeiros e carreteiros vão virar chefs de cuisine. Aí as estradas empoeiradas vão virar espaços gurmês. Aí um piazito carreteiro, um menino tropeiro… Ouça aqui com a Banda Farroupilha.

 

Voltando ao comentário do leitor, a pizza piauiense chama-se espetinho. Longe de ter sido inventado no Piauí, o espetinho remonta ao paleolítico, quando as hordas de caçadores já dominavam o fogo. Árabes e japoneses já comiam kaftas, yakitoris e robatas quando os piauienses nem sonhavam existir. Mas em Parnaíba (não confundir com Parnasia) o empreendedorismo inovador já divide os bairros, como fazem os pizzaiolos em São Paulo.

 

A grande inovação parnaibana consiste em identificar nichos de mercado e ofertar espetinhos de gato. Os preços variam de 8 a 32 reais, a depender do bairro. Os donrufiners e rodoviariers, por exemplo, pagam apenas 8, por um espetinho donzelo (sem baião nem farofa) de gato vira-latas que vive em situação de rua. Já os sebastianers pagam muito mais caro por um espetinho de filé miau completo (com baião, farofa, vinagrete e maionese de batata) de gato cingalês tooop. Já a classe média, também conhecida como pobres premium, paga de 12 (simples) a 24 reais (completo) por um espetinho gurmê de gato angorá ou siamês. São os betaniers e guariters. Resta agora pesquisar os centers. Fica a dica para os TCC das faculdades já sem assunto.

COMENTÁRIO:

 

Após ter lido a crônica “DIACHO, PÔXA, É DO CARVALHO!” (leia aqui), uma leitora lembra as mentiras das vovós, referindo-se às substituições de nomes, a exemplo da rabanada, que em Alagoas é conhecida como “fatia de parida”.  Sua vovó mandava os netos substituírem por “fatia de Paris”. Faz sentido porque é na França que se encontra a origem da rabanada, popularmente conhecida como pain perdu (pão perdido, em tradução livre; aqui, pão dormido). A culinária francesa faz milagres com os pães perdidos, criando pratos que são verdadeiros achados.

 

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Escute o texto com a narração do próprio autor: